São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Suicídio de células limpa organismo

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

É grande o número de células sadias que morrem durante a vida de um animal, na ausência de causa aparente como lesão física ou química.
Em vertebrados, por exemplo, cerca de metade dos neurônios (células nervosas) durante a neurogênese (formação do sistema nervoso) é eliminada por esse tipo de morte que tem características próprias e é chamada de apoptose ou morte programada.
O processo manifesta-se pela condensação da célula e do núcleo, que frequentemente se fragmentam, sendo a célula ou os fragmentos englobados pelas células vizinhas ou por macrófagos (células do sistema imune que, além de outras funções, removem corpos estranhos e detritos).
Costuma-se comparar essas mortes a suicídios que livram o organismo de elementos não mais necessários.
O processo é regulado por interações celulares e por ação de determinados genes.
Apesar de fenômeno essencial nas células animais, ainda não sabemos como ocorre a morte das células.
As pesquisas sobre tão interessante fato não têm sido abundantes, limitando-se ao estudo de três genes de um nematóide (verme roliço, em oposição aos platelmintos, de corpo chato).
O campo acaba de enriquecer-se, porém, com a publicação de Hermann Steller e colaboradores sobre a descoberta de um gene que parece controlar a apoptose na drosófila, a mosquinha dos geneticistas, abrindo filão que oferece maiores possibilidades de investigação que o nematóide.
A mais forte prova da existência de um programa intrínseco de morte em células animais provém originalmente de estudos genéticos em Cenorhabdtis elegans, o nematóide.
A perda durante o rápido desenvolvimento, de 131 células normais das mil de natureza somática (não germinais) que o verme contém, é regulada por dois genes, ced 3 e ced 4.
Se qualquer deles é inativado por mutação, nenhuma das 131 mortes se registra.
Os genes comandam a produção de duas proteínas, uma nova, a do ced 4, e a outra homóloga de enzima conversora de interleucina (mensageiro do sistema imune) e abreviadamente chamada de ICE.
Quando expressa excessivamente em fibroblastos (células do tecido conjuntivo) de ratos, a ICE os induz a morte programada, o que indica que ela deve estar desenvolvida na apoptose das células de vertebrados.
Um terceiro gene do nematóide comanda a produção de proteína inibidora da apoptose.
Quando ela é inativada por mutação, a maior parte das células que normalmente viveriam passa então a morrer, o mesmo acontecendo ao animal em início de desenvolvimento desde que ced 3 e ced 4 permaneçam funcionalmente intatos.
Steller e colaboradores ("Science" (264, 677) isolaram da drosófila um gene, "reaper" (rpr), que parece exercer função central de controle do início da morte programada.
Praticamente toda morte programada que normalmente ocorre durante a embriogênese (formação do embrião) das moscas drosófilas é bloqueada em embriões que têm, em posição equivalente, o mesmo tipo de apagamento ou deleção que abrange o gene "reaper".
Deleção é palavra formada a partir de delir, por influência do inglês "deletion".
Baseado em suas experiências, Steller propôs modelo para o papel do "reaper" na apoptose.
A expressão do gene rpr serviria de comutador global e central entre a vida e a morte.
A morte celular na drosófila seria controlada por vários sinais distintos, como interações celulares, linhagem, raios X, bloqueio da diferenciação celular etc.
Esses agentes atuariam no "reaper", que estimularia a ação de moléculas ativas que por sua vez promoveriam a apoptose.

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