São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Le Pen pede França fechada a estrangeiros

ANDRÉ LAHOZ
DE PARIS

Le Pen quer França fechada a estrangeiros
Líder da Frente Nacional admite afinidade com neofascistas italianos, defende pena de morte e nega ser racista
Jean-Marie Le Pen é uma das figuras políticas mais polêmicas em todo o mundo. Presidente da Frente Nacional (FN), partido de extrema direita francês, acredita que as diferentes raças humanas não devem se misturar, acha que os estrangeiros que moram na França são responsáveis pela maior parte dos problemas do país e defende o regime colonial para a África.
A FN foi criada em 1972 e desde então já teve vários resultados eleitorais importantes. O maior deles ocorreu na disputa presidencial de 1988: 14,57% dos votos foram para Le Pen. Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, há duas semanas, a FN teve 10,51% dos votos.
Muitos analistas políticos acreditam que o partido já atingiu seu ponto máximo, coisa que seu presidente nega. De todo modo, Le Pen é hoje uma figura política de peso e seu discurso racista e xenófobo encontra apoio em uma parcela significativa do eleitorado.
Ele recebeu a Folha durante a semana em sua casa, situada no bairro nobre de Saint Cloud, subúrbio de Paris.

Folha - Quais são os maiores problemas da França hoje?
Jean-Marie le Pen - O problema mais urgente é o do desemprego. O desemprego na França é enorme, na verdade o dobro do que indicam as estatísticas oficiais (3 milhões de desempregados). O número certo é 6 milhões.
As causas do desemprego são basicamente três, que estão relacionadas. A primeira é a supressão de fronteiras. A segunda é a imigração, que é agravada pela supressão de fronteiras. Por último, uma carga de impostos muito elevados, que é a parte socialista da nossa economia liberal.
Essa imigração é muito preocupante, pois pode realmente levar à submersão da Europa. Como eu tenho a coragem de dizer isso há mais de 25 anos, tenho a fama injusta de ser racista ou xenófobo. O que eu acho é que sem fronteiras não há defesa.
Folha - Qual é a solução para esse problema?
Le Pen - Nós acreditamos na saída nacional, que é um conceito que muitos consideram antigo. Para nós, a compartimentação do mundo é algo necessário. Assim como não podemos, em um barco, misturar o petróleo com trigo, por exemplo, não podemos misturar as diferentes raças. O movimento bruto das massas é algo maléfico.
A outra solução é a globalista. É aquela que diz: "O que fizemos até agora ainda não foi suficiente, precisamos de mais integração racial". É o mundo do "Big Brother". Este é o grande debate do próximo século. Como nós somos o único grande obstáculo para esse globalismo, somos atacados por todos, que nos acusam de racistas, egoístas etc. Mas os franceses estão cansados desses "paraísos terrestres", como o comunismo, por exemplo. A história dos homens é trágica, ela não conhece o paraíso.
Nós achamos que para nós, franceses, é muito claro o que perdemos com esse globalismo. Perdemos tudo o que construímos ao longo dos anos, apesar das imperfeições da nossa sociedade. Mas o que não sabemos é o que temos a ganhar com a extinção das fronteiras nacionais.
Quando me dizem "é preciso unir a Europa, é preciso misturar os europeus", eu respondo que isso é impossível, pois são povos diferentes. Se isso fosse possível, os portugueses já teriam virado espanhóis há muito tempo. Graças a Deus que isso não ocorreu. Da mesma forma que isso não pode ocorrer no Brasil ou nos outros países da América Latina. Eu não gostaria de ir a São Paulo, Santiago ou Buenos Aires e encontrar apenas McDonald's e Coca-Cola.
Creio que há hoje um fenômeno de desumanização da sociedade, que perde totalmente sua identidade. As consequências são desordem nas periferias, onde os imigrantes moram, corrupção e injustiça. Há outras consequências, como a Aids e as drogas. Isso é resultado de uma concepção paralisante dos direitos humanos.
Por exemplo, no caso da Aids. Eu afirmo que é uma doença que pode acabar com a raça humana. É uma guerra contra essa doença e temos que tomar medidas enérgicas que podem não ser agradáveis, como a obrigatoriedade do teste, para que possamos saber quem são os doentes. Nesse momento, muitos dizem: "Atenção, respeito aos direitos do homem. É preciso que as pessoas tenham direito de escolher entre fazer ou não o teste". Eu digo que não. Esse doente é perigoso e temos que impedir que ele contamine outras pessoas.
Folha - No caso de o sr. se tornar presidente, como colocará seu programa em prática?
Le Pen - Creio que a atual estrutura parlamentar da França é paralisante. Basta ver o caso do premiê Balladur, que tem uma maioria incontestável e mesmo assim está paralisado. Minha proposta é o uso de referendos populares, que podem inclusive ser de iniciativa da sociedade civil. O povo diria, através do voto, qual a sua opinião sobre as grandes questões nacionais. É o exemplo da pena de morte. Hoje em dia, a maioria do povo é favorável à pena de morte, mas a maioria dos políticos é contra.
Folha - O sr. é a favor?
Le Pen - Eu gostaria de viver em um mundo onde nós não tivéssemos que matar um assassino de crianças, mas, como eles existem, eu prefiro matá-los a deixar que eles continuem a matar crianças.
Folha - Especificamente quanto ao problema da imigração, o que pretende fazer?
Le Pen - Uma forma fácil de acabar com a imigração é eliminar os atrativos para os estrangeiros. Por que uma pessoa vem hoje para a França? Certamente não é para trabalhar, uma vez que não há mais emprego disponível. Ela vem atrás da assistência social gratuita. Nós passaremos a dizer: "Não temos nada a oferecer para vocês. Vocês não terão moradia, assistência social, escola para as crianças. Não é aqui que vocês têm que ficar, mas no seu país". Se o estrangeiro não tiver nada disso, ele perderá o interesse pela França e acabará ficando em seu país.
Podemos até dar alguma ajuda a esses países pobres, mas eles só terão sucesso se trabalharem duro. Olhe o caso da Argélia. Eles lutaram contra a França por sua independência e agora que estão em uma situação péssima, querem vir se refugiar aqui. Isso eu não admito. Os estudantes argelinos vêm aqui para a França, se formam e depois ainda querem continuar aqui. Isso não é possível.
Folha - As suas idéias sobre os estrangeiros não podem ser consideradas racistas?
Le Pen - De forma alguma. Os intelectuais e a mídia consideram isso como racismo, mas isso não é verdade.
Folha - Suas opiniões não geram uma tensão entre franceses e estrangeiros? Não seria uma forma de estimular o racismo?
Le Pen - Mas o que acontece hoje é o contrário. Os estrangeiros é que são agressivos com os franceses. Por exemplo, nas periferias nas quais os estrangeiros são maioria o povo francês é privado totalmente de sua liberdade.
Folha - O sr. acha que os estrangeiros não contribuíram em nada para o desenvolvimento francês?
Le Pen - Eles foram pagos para isso. Por exemplo, se temos um problema no banheiro de casa, chamamos alguém para consertá-lo. Quando o serviço estiver feito, o pagamos e ele se vai. Mas imagine se ele resolve voltar no domingo, com toda a sua família, e diz que resolveu morar ou tomar um banho em sua casa. Se nós contratamos trabalhadores imigrantes, eles devem ser tratados da melhor maneira possível, pois fomos nós que os chamamos. Mas uma vez que o serviço acabe, eles têm que partir. Os estrangeiros não podem continuar a vir sem que ninguém peça, e depois ainda passar a exigir direitos.
Temos hoje na França cidades inteiras que são verdadeiros guetos de estrangeiros. Essas pessoas estão nos colocando em uma situação de miséria. Eu falo muito com estrangeiros e eles dizem que o governo francês é louco de deixar entrar tanta gente aqui (fala imitando o sotaque argelino). Temos muitos imigrantes que estão há muito tempo na França e são eleitores da Frente Nacional, pois sabem do risco dessa vinda de estrangeiros.
Pode parecer estranho, mas há muitos estrangeiros no partido. Há árabes, negros, judeus, mas o que é importante é que eles são patriotas franceses. Para ser membro do FN é preciso ter identidade francesa e ser patriota.
Folha - O sr. tem algo contra os muçulmanos?
Le Pen - Eu não tenho nada a priori contra eles, mas é verdade que a regra do islamismo não é apenas religiosa, mas política. Ela não pode entrar em conflito conosco. Ou eles agem de uma forma compatível com as leis francesas, ou então que fiquem em seu espaço geográfico. Na prática, isso quer dizer que não podemos aceitar muçulmanos demais num país que não é o deles. Se há 600 mil muçulmanos na França, isso pode ser aceitável, mas se há 5 milhões, aí temos um grande problema. Escolas muçulmanas na França, por exemplo, não podem ser aceitas, pois somos um país católico.
Folha - O sr. vê algum problema em misturar culturas diferentes num mesmo país, ainda que haja emprego e espaço para todos?
Le Pen - Certamente. A compartimentação do mundo é uma necessidade. Para conservar a especificidade de cada cultura é preciso que elas fiquem separadas. Sou contra a busca de um modelo único de homem, que ouça a mesma música, que fale a mesma língua e que tenha os mesmos hábitos.
Folha - Como será o relacionamento da França com os EUA se o sr. se eleger presidente?
Le Pen - Temos afinidades culturais com os EUA e é natural que o relacionamento seja mais profundo do que com outros países.
Folha - E com a África?
Le Pen - Não há muito o que fazer senão ajudar a África, pois estão em uma situação terrível, com tanta miséria, desordem e Aids.
Folha - O que o sr. pensa da descolonização da África?
Le Pen - Acho que a situação atual do continente nos permite repensar o período colonial, que no final das contas não foi assim tão ruim. Esse período foi acusado de muitas coisas, mas devemos admitir que esses países não são capazes de se sustentar sozinhos. A descolonização aconteceu muito rapidamente. Incomoda-me muito hoje em dia ver esses jovens africanos que fazem seus estudos na França e que depois não querem retornar aos seus países. A independência é algo que exige muito, principalmente das elites. Eu sempre digo aos jovens argelinos que os pais deles lutaram para legar a eles um país. Eu estive do outro lado dessa luta, pois era favorável ao período colonial. E então, o que fazem aqui? Devem retornar imediatamente. Não podem ficar aqui, porque nós acabaremos brigando.
Folha - O que acha do relação entre a França e a América Latina e, mais especificamente, o Brasil?
Le Pen - Eu acho que essa relação é muito tímida. Acho que o problema é das duas partes, uma vez que a América Latina esteve fechada durante muito tempo. Mas acho que os europeus têm uma concepção segundo a qual a América é dos norte-americanos, assim como a África deve ficar mais com os europeus. Sou contra a atitude francesa de manter essa distância com os países da América Latina. Acho que houve uma certa negligência por parte dos franceses. Tentarei rever isso, ainda mais porque acho que esses países têm muita afinidade com a minha ideologia. Por exemplo, o nacionalismo. Eu percebo claramente quando vou ao Brasil que se trata de um país diferente da Argentina, que por sua vez é diferente do Paraguai, e assim por diante.
Folha - E como será a relação da França com o Japão?
Le Pen - Atualmente é o Japão quem dá as cartas. É um país que tem uma densidade cultural muito alta, mas que busca o sucesso econômico a todo custo. Eu critico esse modelo de desenvolvimento, pois me parece apenas uma busca desesperada de mais produção.
Folha - O que acha da União Européia?
Le Pen - Eu sou hostil à federação européia. Sou a favor de uma Europa de nações, na qual cada país guarde sua soberania. A relação entre os países europeus sempre será especial e podemos ter acordos comuns, como no caso da segurança do continente. Mas cada país deve permanecer separado do outro. Eu acho que esse grande Estado de quase 400 milhões de habitantes que alguns querem criar é na verdade um dinossauro.
Folha - O sr. poderia liderar um movimento de direita anti-Maastricht?
Le Pen - Eu sempre tive muita relação com políticos de outros países, como, por exemplo, o MSI (Movimento Social Italiano, de extrema direita). Atualmente esse partido está mais preocupado com os problemas da Itália, e acho que infelizmente a nossa relação vai ser dificultada.
Folha - Qual é a sua opinião sobre Bernard Tapie?
Le Pen - É um fenômeno passageiro de demagogia brilhante.
Folha - E sobre o presidente François Mitterrand?
Le Pen - É uma fênix, está sempre ressurgindo. Devemos continuar a pensar em Mitterrand.
Folha - Balladur?
Le Pen - O seu governo tem muita boa vontade, mas não há mais do que isso.
Folha - Michel Rocard?
Le Pen - É um homem de uma doutrina velha.
Folha - Qual foi a maior personalidade política francesa?
Le Pen - Joana D'Arc.
Folha - Sobre o seu partido, o sr. concorda com a idéia de que ele já chegou ao ponto máximo de popularidade?
Le Pen - Não acredito nisso porque nós só temos um grande obstáculo: o apartheid da mídia. Ela não divulga nada sobre a FN há pelo menos dois anos. A razaão é simples: a mídia é hostil às nossas idéias. Nós não somos "politicamente corretos".
Folha - Sobre a ocupação nazista na França, o que pensa daquela época?
Le Pen - Nós havíamos perdido a guerra em 1940 e todos os franceses patriotas queriam que os alemães se fossem. Mas acho que se fala muito sobre essa época. Eu gosto sempre de lembrar que o comunismo foi mais cruel do que o nazismo, embora só se fale sobre o último.
Folha - Qual é a sua opinião sobre Hitler e Stálin?
Le Pen - Foram dois grandes ditadores, pessoas que marcaram seu tempo pela sua crueldade. São pessoas que quiseram construir o paraíso e só conseguiram construir o inferno.
Folha - As suas idéias não são semelhantes às de Hitler?
Le Pen - Não há absolutamente nenhuma semelhança. O nazismo é um fenômeno alemão, da primeira metade do século, e não acho que possa se repetir.
Folha - Mas os movimentos neonazistas estão crescendo no continente.
Le Pen - São apenas caricaturas. São apenas um bando de nostálgicos. Não creio que possa ser comparado ao que ocorreu em 1930.
Folha - Qual é a sua opinião sobre o Holocausto?
Le Pen - Foi um dos grandes dramas da história.

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