São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Polícia de Gaza luta contra falta de recursos

JUAN CARLOS GUMUCIO
EL PAÍS, DE MADRI

O tenente-coronel Hamdi Alrifi tira dois sacos plásticos de uma caixa e os coloca sobre sua escrivaninha, na sala de criminologia da polícia de Gaza. "No total, são US$ 70 mil disto", diz ele, exibindo um ramo de maconha.
Trata-se, ao que tudo indica, do maior troféu da nova força policial palestina, estabelecida em Gaza um mês atrás, depois da retirada das forças israelenses.
Alrifi está orgulhoso. Não tanto pelo êxito inicial de sua campanha contra o plantio de maconha quanto pelo jogo de cintura do qual seus agentes têm que lançar mão diariamente para tentar impor a lei no caos de Gaza, sem dispor de praticamente recurso algum.
"Não temos dinheiro sequer para comprar isto", diz Alrifi, mostrando dois clipes para papel. É um exemplo alarmante, levando-se em conta que está em suas mãos a segurança de uma cidade onde se mata, se rouba e se trafica.
Durante os 27 anos da ocupação israelense, as prisões estiveram cheias de presos políticos. Os israelenses não tinham tempo para combater a criminalidade comum, explica Alrifi, que passou 13 de seus 42 anos na prisão por suas atividades nacionalistas.
"Quando os israelenses partiram, só nos deixaram as paredes. Nenhum equipamento, nada de informações, nada de infra-estrutura. Nem sequer um único cabo de telefone", acrescenta.
Em poucos lugares os sintomas da crise financeira da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) são tão visíveis quanto nas delegacias de Gaza e Jericó.
Apesar do fundo inicial de US$ 42 milhões aprovado pela comunidade internacional, a situação ainda não mudou.
Muitos policiais continuam comendo graças à generosidade popular. A maioria das caminhonetes verdes doadas pelos EUA já viu dias melhores: suas molas estão arrebentadas, seus pneus, lisos.
"Não temos viaturas apropriadas. O que nos deram é material da 2ª Guerra Mundial", se queixa Alrifi. E ele não exagera: no estacionamento da delegacia há várias picapes a diesel que não têm qualquer toque inovador exceto uma placa vermelha e amarela com as iniciais da Polícia Palestina.
Os próprios uniformes dos policiais são tão diversos que revelam a improvisação decorrente de uma austeridade forçada.
Alrifi não o diz abertamente, mas, mais do que drogas e roubos de veículos, o que preocupa a polícia palestina no momento é a sórdida campanha de ajuste de contas entre palestinos.
Os policiais procuram conter vinganças de recém-libertados contra colaboracionistas de Israel que os fizeram parar na prisão.
A questão já gerou acusações entre o governo de Yitzhak Rabin, que insiste em proteger seus ex-agentes, e militantes da OLP dispostos a tomar a lei em suas mãos.
A polícia minimiza outras ameaças. Fundamentalistas do grupo Hamas, por exemplo, anunciaram dias atrás "medidas apropriadas" para combater a "corrupção da sociedade", isto é, o álcool, a prostituição e biquínis na praia.
"Consumir álcool não é contra a lei e não há provas de que exista prostituição em Gaza –e se alguns arruaceiros tentarem se transformar em juízes e carrascos, terão que se ver conosco", adverte Alrifi. Isso, naturalmente, apenas e quando a polícia tiver condições materiais para cumprir sua missão.

Tradução de Clara Allain

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