São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 1994
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Sem medo de ser cidadão

JOSÉ SERRA

As próximas eleições prometem um resultado pouco agradável: uma enorme proporção de votos brancos e nulos para deputados federais e estaduais. Isso seria ruim para a democracia e para a qualidade do Congresso e das Assembléias Legislativas. Na última eleição, essa proporção já foi assustadora, ultrapassando 50% em diversos Estados.
Neste ano, há fatores agravantes. O mais óbvio é a infeliz (e agora constitucionalizada) coincidência entre eleições: cada votante deve escolher um deputado estadual, um federal, dois senadores, um governador e um presidente. É muito nome para avaliar e reter na mente. No caso dos deputados, a situação piora, pois o eleitor deve escrever o nome ou o número do candidato (no caso dos majoritários, basta colocar um X em um dos nomes relacionados).
É óbvio, além disso, que o interesse da campanha estará centrado nos candidatos a presidente e, quando muito, a governador. Por isso, aliás, a lei eleitoral introduziu a votação em duas cédulas, de cores diferentes, uma com os majoritários, outra para os proporcionais. A idéia é estimular o eleitor a não desistir da escolha de deputados.
O ministro Pertence, presidente do Superior Tribunal Eleitoral, tem razão ao sugerir também a utilização de duas urnas: elas facilitariam não apenas a apuração, mas também a rapidez do processo de votação. Uma lentidão excessiva alongará as filas e acarretará, fatalmente, muitas desistências. Aliás, outra providência óbvia seria estudar a possibilidade legal de esticar o horário de votação.
A Câmara dos Deputados tem resistido à proposta de duas urnas, argumentando que a apuração dos votos dos deputados seria retardada e a fiscalização afrouxada. Não é difícil, no entanto, prevenir esse risco: basta aumentar o número de mesas apuradoras e dispor que as contagens dos votos majoritários e proporcionais sejam simultâneas.
Tecnicalidades à parte, há um fator mais sério estimulando os votos brancos e nulos: a irritação popular com o Congresso e com os políticos em geral, ateada com os desmandos do governo Collor e atiçada, neste ano, pelo fracasso da revisão constitucional e pelas investigações da CPI do Orçamento e posteriores absolvições, como as duas ou três da semana passada, que se chocaram com fortes evidências de culpabilidade dos parlamentares acusados.
Caberia, por isso, uma campanha de esclarecimento, que a mídia bem poderia deflagrar, lembrando aos eleitores que, nas democracias, a melhor ferramenta para limpar o Congresso e o Executivo é o voto bem dado. Deixar de votar porque escolheu mal na última vez, ou desculpar-se afirmando que todos os políticos são iguais, é a maneira mais segura de garantir que uma maioria de maus políticos continue sendo eleita por uma maioria de eleitores mais desatentos.
Em Brasília, há senadores e deputados bons e ruins, trabalhadores e folgados, sérios e malandros. Mas não há um só que não tenha sido eleito. Para que o Legislativo e o Executivo sejam melhores, é preciso que os eleitores votem melhor. Informem-se mais, selecionem com mais cuidado, não se deixem ludibriar por discursos fáceis. Como poderia um eleitor criticar parlamentares gazeteiros se também deixasse de votar? Ou como poderia indignar-se com um governante corrupto se também aceitasse trocar seu voto por dinheiro?

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