São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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NOTAS

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Junho começou agitado e terminou relativamente calmo para a ombudsman: foram 485 atendimentos ao longo do mês (confira no quadro ao lado), contra 572 em maio. Há uma explicação: desde o início da Copa, os leitores parecem ter voltado suas atenções para outros assuntos que não o jornal. Em dia de jogo do Brasil, o telefone praticamente não toca. E as reclamações mais frequentes contra o caderno de Esporte (poucas páginas, poucas reportagens, falta de destaque para os principais assuntos) simplesmente desapareceram desde que ele passou a ser o Copa 94. O investimento da Folha no mundial de futebol, o maior já feito pelo jornal num único evento, rendeu bons resultados junto ao leitor, a julgar pela repercussão (mais do que isso, pela falta de reclamações) que têm chegado à ombudsman.
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Na terça-feira, os três principais jornais cearenses publicaram um informe publicitário em página inteira, que reproduzia trechos de uma reportagem da Folha do domingo passado, aquela que mostrava "o Ceará que não aparece na TV". As páginas foram pagas pela Fundação Pedroso Horta, ligada ao PMDB, ao custo de US$ 50 mil, segundo apurou a reportagem da Folha em Fortaleza.
Para reproduzir trechos ou reportagens inteiras de qualquer jornal, é preciso ter autorização do jornal. Nem a fundação, nem a agência de publicidade que montou os anúncios preocuparam-se com o detalhe. Pior do que isso, os anúncios "editaram" o material da Folha segundo as conveniências da fundação e do próprio PMDB cearense, que tem interesse em desqualificar a administração tucana de Ciro Gomes e atrapalhar a recondução de Tasso Jereissati ao governo (ele tem 64% das intenções de voto no Ceará). A reportagem da Folha, um retrato equilibrado das condições de vida no Ceará que os brasileiros não vêem na novela "Tropicaliente", da Rede Globo, acabou se transformando num amontoado de críticas contra o PSDB local, no poder há oito anos.
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A Agência Folha, detentora dos direitos autorais sobre a reportagem mutilada nos anúncios, está tomando as medidas judiciais que cabem neste caso. A Folha publicou texto na quarta-feira, contando o que ocorreu a seus leitores. Estranho é que os três jornais cearenses ("Diário do Nordeste", "O Povo" e "Tribuna do Ceará") tenham se calado sobre o episódio. Diante das evidências de que os informes publicitários continham uma grosseira manipulação de informações, poderiam ter recusado os anúncios. Não recusaram. Depois de publicados, deveriam ao menos ter contado a seus leitores que os informes publicitários desinformavam. Não contaram. Se não queriam tomar partido político numa briga idem, o que é louvável, os jornais cearenses poderiam ao menos ter informado seus leitores que os anúncios distorciam a reportagem da Folha, o que é antiético. Ficaram quietos. Cada um deve ter lá as suas razões. E seus leitores devem saber quais são.
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"Informação e poder", livro organizado pelo jornalista José Paulo Cavalcanti Filho (ex-Folha, onde assinava a coluna "Recife", na pág. 1-2), com prefácio de Janio de Freitas e reflexões de juristas e jornalistas de peso, merece estar na biblioteca de quem se interessa pelo tema imprensa. O subtítulo do livro diz tudo: "Ampla liberdade de informar X Responsabilidade no exercício dessa liberdade". A editora é a Record, e ele já está nas livrarias. Recomendo, e para isso lanço mão do prefácio de Janio de Freitas: "Os meios de comunicação figuram entre os mais graves problemas brasileiros, por uma infinidade de motivos. Com esta particularidade notável: nenhum problema é mais silenciado. Em parte, porque os próprios meios de comunicação selecionam os problemas a serem expostos publicamente".

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