São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Dois Saltos

JANIO DE FREITAS

Três dos chamados grandes da imprensa diária destacaram a mesma ocorrência. Manchetes, respectivamente, do "Jornal do Brasil" e do "Globo": "Real estréia com aumentos abusivos" e "Comércio aproveita confusão do real para arredondar preços para cima". Em complemento à manchete "Preço remarcado esfria consumo", o "Estado de S.Paulo" diz que "Alguns preços sobem até 68,29% em 24 horas".
O salto dos preços, aproveitando a conversão do cruzeiro real para o real, ficará registrada aqui como primeira impressão, colhida por observação pessoal e de inúmeras queixas de conhecidos e leitores, com casos até muito superiores àqueles 68%. As três manchetes mostram que o salto foi generalizado. O que permite três deduções imediatas:
1- Mais uma vez se comprova a mistificação do argumento de que os preços estiveram subindo tanto, ultimamente, para fazer o "realinhamento" de uns com outros. Subiram antes do real e sobem depois do real porque a sua única lógica é a do aumento, sem mais razões objetivas do que a voracidade liberada.
2- Já existe inflação em real. Resta ver o que o governo vai fazer com ela. Ou contra ela. Ou, com maior probabilidade, contra o salário e a poupança.
3- A tola maquiagem da igualdade do real ao dólar, ainda que mantida, já passou de maquiagem a falsificação.
A partir destes indícios iniciais do real é que o governo –particularmente a equipe de peessedebistas que assessora o ministro da Fazenda– vai mostrar se é capaz, ou não, de se desvincular dos seus propósitos eleitoreiros e defender o plano, mesmo que ferindo conveniências do seu candidato.
A confessada dependência de Fernando Henrique em relação ao plano e, portanto, às atitudes da equipe econômica ("Acho que minha candidatura vai dar um salto agora", diz ele) não estimula o rigor contra as explorações e especulações desfavoráveis ao plano e provenientes das principais fontes de apoio a Fernando Henrique. Mas, sem tal rigor, o plano terá o destino dos seus antecessores. Se chegar até à eleição já será muito –e o problema é que esta meta talvez já satisfaça a equipe econômico-peessedebista.
Do presidente da Fiesp, veja só, é que veio a palavra sensata sobre o uso do plano como ingrediente da disputa eleitoral. Carlos Eduardo Moreira Ferreira considera tão inaceitável o combate ao plano, como a exploração dele por Fernando Henrique, que "não é dono do plano". Lula da Silva e Leonel Brizola têm o direito, senão o dever, de dar combate à exploração do plano por seu adversário e apontar aspectos sacrificantes para a maioria da população. Isto é política e é competição eleitoral. Mas oposição ao plano, propriamente dito, não tem cabimento.
E não tem até porque o povo, aí incluída a classe média, é desprovido de qualquer meio de influir para o êxito ou o fracasso do plano. Incentivá-lo a resistências é inócuo e tolo. O destino do plano será decidido entre o poder econômico e o governo, como sempre.
Esta relação conjugal é que merece a atenção ferrenha dos candidatos, digamos, populares. Exatamente para tentar impedir que propósitos eleitoreiros desperdicem mais uma oportunidade de atacar a inflação como matriz da concentração de renda, esta já elevada a níveis genocidas.

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