São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Momento é favorável à estabilização

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil entra na era do real num momento em que as condições econômicas são bastante favoráveis ao plano de estabilização. As condições políticas, entretanto, são desfavoráveis.
Para a ampla maioria dos economistas, consultores e demais agentes econômicos, o Plano Real é bom, melhor que os anteriores, e funcionará bem pelo menos por cinco a seis meses.
Para que tenha vida além disso, será necessário que o presidente a ser eleito neste ano mantenha e aprofunde o plano, especialmente assegurando o equilíbrio das contas do governo.
É claro, por outro lado, que se for eleito um candidato que se manifeste contra o plano, este começa a naufragar muito antes da posse do novo presidente.

A favor
Reservas - O Banco Central tem quase US$ 40 bilhões em moedas fortes e ouro. Tem munição para evitar especulações e para manter a taxa de câmbio congelada na relação R$ 1,00 igual a US$ 1,00. Ou seja, o BC tem dólar para vender e bancar essa cotação.
Acordo da dívida externa - Assinado com os bancos credores e aprovado pelo Senado Federal, o acordo, que reduziu a dívida, regularizou o setor externo. As relações com o sistema financeiro são normais, o Brasil tem caixa para pagar as prestações e ainda está recebendo mais dólares de fora.
Saldos comerciais - O país vem obtendo sucessivos saldos no comércio externo. As exportações vão bem e podem assegurar entrada de reservas por bom tempo.
Taxa de câmbio congelada - mantém praticamente congelados os preços de produtos importados.
Salários - convertidos pela média, sem ganhos reais, não devem provocar aumento da procura por mercadorias, o que levaria a alta de preços. Não estão congelados, mas os salários de toda uma categoria por exemplo só podem ser corrigidos pela inflação na data-base anual.
Produtividade da indústria brasileira, que se modernizou e é capaz de produzir mais a preços menores.
Tarifas dos serviços públicos - estarão praticamente congeladas por 12 meses. E isso têm enorme efeito na contenção do custo de vida.
Dinheiro limitado - as regras de emissão do real limitam a quantidade de dinheiro em circulação. O governo estará proibido de emitir sem lastro. Estará assim impedido de gastar sem ter receita.
Lastro - a cada real em circulação corresponde um dólar guardado em conta especial do Banco Central. Tem efeito psicológico de atribuir confiança à nova moeda.
Arrocho no governo - a MP do real proíbe o governo e suas estatais de fazer dívida nova. Proíbe também qualquer gasto que não esteja previsto no orçamento.
Liquidação de dívidas - o Fundo de Amortização da Dívida Mobiliária Federal é o meio engenhoso de liquidar dívida do governo em títulos emitidos pelo BC. Como qualquer empresa endividada, o governo vai vender patrimômio (ações) para pagar dívida.
Alta de preços em URV - preços que subiram muito na fase da URV tendem a cair agora, por falta de demanda e falta de dinheiro na economia. A queda, em real, derruba a inflação.
Safra - o Brasil acaba de colher uma safra récorde de 76 milhões de toneladas. Há alimentos suficientes. No segundo semestre, agricultores deverão ir vendendo seus estoques para, com os recursos, comprar sementes, fertilizantes e máquinas para o plantio seguinte.
Importação - o Brasil hoje é economia aberta. É fácil importar e os impostos são baixos. Exemplo: em maio, o preço do arroz brasileiro passou de US$ 500 a tonelada, acima do preço internacional. Na semana passada, já chegou ao porto de Paranaguá, no Paraná, um carregamento de arroz vietnamita, bem mais barato. Bem diferente do que ocorria no Plano Cruzado (1986), quando só o governo podia importar (e era lento) e os impostos eram mais altos.
Lógica do Plano Real - a invenção da fase intermediária da URV foi um achado. Todos os problemas que ocorrem na troca de moeda (como a paralisia dos negócios, o conflito entre indústria e comércio ameaçando abastecimento e as remarcações de preços preventivas e corretivas) já aconteceram por ocasião da introdução da URV. O real tem o caminho livre.
Moeda nova - a troca de moeda tem efeito psicológico positivo. Joga-se literalmente fora a moeda velha e inflacionária, passando-se a usar a novinha em folha.
Correção monetária anual - a regra pela qual os contratos só podem ser corrigidos anualmente impede a volta da indexação inflacionária.

Contra
Ainda do ponto de vista econômico, as condições desfavoráveis e os problemas são os seguintes:
Caráter eleitoral - sendo diretamente ligado a um dos candidatos à Presidência da República, o tucano Fernando Henrique Cardoso, o Plano Real será atacado pelos demais candidatos. Para comparar: se lançado em início de governo, o plano teria chance de ser apoiado por um amplo conjunto de forçaso políticas.
Atraso - definições importantes, como regras para mensalidades, aluguéis e planos de saúde, deveriam ter saído bem antes. Na véspera do real, tais regras causarão alguma confusão e alta de preços, no caso dos aluguéis. Isso tudo poderia ter ficado na fase da URV.
Inflação de julho - há mais de 40 índices de preço. Por problemas estatísticos, é possível que os índices indiquem inflação de 0 a 25% no primeiro mês do real, mesmo que os preços permaneçam rigorosamente estáveis durante os 30 dias.
Haverá um "resíduo inflacionário" – um resto de inflação em cruzeiros reais que vai aparecer no primeiro mês do real.
Tudo isso estimulará reajustes de preços e demandas dos sindicatos por reposição salarial imediata. E se isso ocorrer, o plano está morto.
A reposição salarial necesariamente vai para os preços, que sobem em seguida. Exige-se então nova reposição salarial e eis a ciranda inflacionária de novo.
Contra os reajustes de preços, o governo tem a arma de facilitar a importação e a lei anti-truste. Contra os reajustes salariais, o governo depende dos tribunais do trabalho.
Dissídios - petroleiros e bancários, categorias filiadas à CUT, têm data-base em setembro. Espera-se radicalização e não se sabe que caminhos tomará o Tribunal Superior do Trabalho. Se mandar repor toda a inflação passada, inclusive o residuo do cruzeiro real, o plano estará abalado.
Entressafra - período em que não há plantio nem colheita de produtos agrícolas. Começa entre junho e agosto e vai até dezembro e janeiro. Nessa fase, os preços agrícolas sempre sobem algo em torno de 20% para todos os seis meses.
Nos índices de preços isso daria uma inflação de 6%, no segundo semestre do ano. De novo aqui, a arma do governo é a importação. E paciência. Pois em janeiro, vem a safra e os preços começam a cair.
Carne - É um "problemão", na definição do economista Guilherme da Silva Dias, especialista em agricultura. O preço da arroba do boi está hoje entre US$ 20 e US$ 21. Deve aumentar 10% em agosto, por causa da entressafra.
Em todo caso, é problema menor do que foi no Plano Cruzado (1986) por causa de dois fatores: a enorme expansão da produção de frangos ocorrida nos últimos anos, o que oferece alternativa aos consumidores; e a facilidade de importação pelo setor privado.
Gastos públicos - As contas do governo estão equilibradas, mas há várias ameaças de desequilíbrio.
As principais: aplicação da isonomia no funcionalismo, o que aumentaria o gasto com salários em US$ 3,5 bilhões só neste ano; aumento do salário mínimo, que abriria um rombo nas contas da Previdência e de prefeituras e governos estaduais; gastos eleitorais.
Aqui, tudo depende da ação política dos ministros Rubens Ricupero e Beni Veras, do Planejamento, para resistir às pressões e segurar as contas.
Bancos oficiais - Sem o ganho inflacionário, os bancos estatais, federais e estaduais, logo estarão em dificuldades. E quando isso acontecer, a alternativa será: ou os bancos se ajustam (cortando gastos, fechando agências, reduzindo pessoal) ou o Banco Central dá dinheiro e abre novo rombo nas contas públicas.
Desilusão monetária - Quem tiver algo como CR$ 2,8 milhões na poupança, de repente se verá com escassos R$ 1.000. Qual será a reação das pessoas?
Entender que os R$ 1.000 valem até mais, porque em moeda estável, ou gastar logo os cruzeiros reais antes da trocá-los? Se a maioria gastar, será ruim para o plano.
Preço dos serviços - na Argentina, por exemplo, os serviços prestados por médicos, dentistas, hospitais etc, impossíveis de controlar, subiram fortemente e causaram uma crise no início do Plano Cavallo.
Aumento do mínimo - Os 8% de aumento do salário mínimo a partir de setembro aumentam a demanda na economia, coisa que vai contra a lógica do plano.
Déficit - até maio, o déficit de caixa do governo foi de R$ 1,5 bilhão.
Itamar - o presidente Itamar parece que até agora não entendeu o plano de estabilização. Todas suas intervenções vão contra a lógica do Plano. Se o ministro Ricupero não conseguir contê-lo, será um fator de instabilidade.

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