São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Plano da Argentina foi mais audacioso

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Há anos se fala no "efeito Orloff", segundo o qual a política econômica brasileira hoje é igual à argentina de ontem. O Plano Real quase confirma esse mito.
A diferença fundamental é que lá a "dolarização" aconteceu no início de um mandato presidencial forte, enquanto aqui a estabilização vai ser tentada no final de um mandato fraco.
Mas se o plano brasileiro der certo, a situação pode até se inverter: Menem, hoje no final de seu mandato, enfrenta dificuldades econômicas e políticas agudas.
Aqui, há quem acredite que o sucesso do plano pode ser decisivo na definição de quem vai ser o próximo presidente.
Ou seja, a Argentina amanhã pode ser o Brasil de hoje. E o Brasil de amanhã poderá ser a Argentina de ontem.
Mas por enquanto as diferenças entre Brasil e Argentina são radicais (veja tabela). Os argentinos fizeram o que os economistas chamam de "reformas estruturais": mudanças no sistema tributário, privatização intensiva, desregulamentação do mercado de trabalho. E o plano argentino foi às últimas consequências.
Como na prática o dólar já era moeda corrente em Buenos Aires, o governo não teve outra forma de garantir a confiança no plano senão permitindo a total conversibilidade com a moeda local.
Somente sabendo-se capazes de abandonar a qualquer momento a moeda nacional os argentinos poderiam começar a pensar em ficar com dinheiro nacional no bolso. Por essa razão há quem diga que o plano argentino não foi de dolarização. Dolarização existia antes do plano, depois dele a moeda argentina começou a ter vez.
O câmbio congelado numa economia onde todos se guiavam pela taxa de câmbio significou anestesia geral e imediata da inflação. Como efeitos colaterais, o aumento das importações e a queda nas exportações.
Como o governo Menem caprichou também na redução dos impostos sobre importações, as compras dispararam (para deleite de exportadores brasileiros).
O câmbio fixo com juros altos, mais privatização, atraiu capitais externos. A economia perdeu dinheiro pelo comércio, mas ganhou pela entrada de capitais.
Os argentinos já contabilizam três anos de inflação baixa e um crescimento econômico acumulado de 26%. O superávit primário (receitas menos despesas do governo) anda na casa dos 2% do PIB, praticamente o dobro do necessário para cobrir as despesas com juros. E as privatizações já renderam US$ 13 bilhões.
Os críticos dizem que a hora da morte do câmbio fixo se aproxima, porque os juros internacionais voltaram a subir, ou seja, pode não se sustentar a entrada de capitais que financia o déficit comercial. Diz-se também que já não há mais o que privatizar.
Mas o dado mais preocupante e politicamente crucial é o desemprego: praticamente 10% da força de trabalho não está podendo exatamente usufruir da inflação baixa.
Se com todo o crescimento acumulado nos últimos três anos o emprego ficou nesses níveis, com alta dos juros externos o crescimento pode ser menor a partir de agora. Ou seja, começaria a aumentar o desemprego justamente na hora em que Menem se lança numa ofensiva para se reeleger.
Na prática, portanto, com ou sem efeito Orloff, as três economias mais fortes da América Latina (Argentina, Brasil e México) estão passando por dificuldades econômicas e políticas cujo desfecho poucos se arriscam a prever.
Nos três países o futuro da política econômica ainda depende muito do desfecho das próximas eleições presidenciais. Isso é o mesmo que dizer que em nenhum deles a estabilização econômica está completamente consolidada.
A sorte de Menem é que a popularidade de outras lideranças, como a do ex-presidente Alfonsín, cai tão ou mais rapidamente que a sua.

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