São Paulo, terça-feira, 12 de julho de 1994
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Justiça autoriza aborto em feto malformado

RICARDO FELTRIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Justiça autoriza aborto de feto malformado

A Justiça de Campinas autorizou a realização de aborto em um feto com anencefalia (ausência de cérebro).
O pedido foi feito por uma moradora de Santa Rita do Passa Quatro (250 km a norte de São Paulo) que, segundo apurou a Folha, está no quinto mês de gravidez.
A Justiça e os médicos não revelam o nome da mulher por questões éticas.
Os pareceres que confirmaram se tratar de um feto sem chances de sobrevivência foram dados pelos médicos Ricardo Barini, João Luiz Pinto e Silva e Bussamara Neme, ambos do setor de obstetrícia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
João Luiz Pinto e Silva, diretor da Maternidade do Caism (Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher) da Unicamp, considerou positiva a sentença.
"A decisão do juiz vem reforçar o argumento de que uma gravidez nessas condições (feto com anencefalia) traz um risco alto demais para um benefício zero", afirmou.
O médico disse, através da assessoria de imprensa da Unicamp, que, "uma vez que o feto não irá sobreviver após o parto, os riscos maternos têm de ser, naturalmente, evitados. Isso é, não apenas ético e sensato, mas também legal."
O processo correu sob sigilo na Justiça de Campinas e teve início no dia 29 de junho. A autorização foi concedida na última quarta-feira. Não foi definida a data ou o local em que será realizado o aborto.
A Vara do Júri de Campinas (99 km a noroeste de São Paulo) não quis revelar o nome do juiz que concedeu a autorização. A Folha apurou que a sentença foi detalhada em 17 páginas.
O requerimento foi elaborado por uma advogada de São Paulo e foi baseado em pedido semelhante feito em novembro de 93.
Esse pedido –com parecer do diretor do Instituto de Medicina Fetal de São Paulo, Thomaz Gollop– também tratava de um caso de anencefalia.
Cronologia
A polêmica sobre abortos em fetos malformados começou no dia 16 de junho, quando a Folha publicou entrevista de Aníbal Faundes, diretor do Caism.
Na entrevista, Faundes admitiu ter realizado abortos ilegais em fetos com malformação.
Por causa dessa declaração, a polícia de Campinas abriu inquérito para apurar a realização de abortos na Unicamp.
A reitoria da universidade determinou a abertura de uma comissão para apurar o caso.
Na última sexta-feira, em nota oficial, a comissão decidiu que a prática admitida por Faundes "é legal e ética".
O CRM (Conselho Regional de Medicina) divulgou nota na semana passada na qual diz considerar a atual legislação sobre o aborto "ultrapassada".
O Código Penal brasileiro só permite o aborto em caso de estupro ou quando a gestação põe em risco a vida da mãe.
O médico Gollop, que também admitiu ter realizado abortos em fetos malformados, é alvo de uma sindicância aberta pela 6ª Promotoria de Justiça de Santo André (Grande São Paulo).

* Colaborou a Folha Sudeste.

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