São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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A estabilização ainda não está garantida

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Primeira coluna, cabe uma conversa direta com o leitor, para apontar os temas a serem explorados neste espaço. Por estar passando o ano no exterior, vamos dedicar várias colunas a análises do cenário internacional (como a queda do dólar frente ao iene).
Mas não vamos ficar restritos à economia, fazendo também algumas reflexões sobre as instituições úteis das sociedades industrializadas. Queremos manter aqui uma janela aberta para o mundo.
Por fim, o enfoque da economia brasileira ficará de contraponto para alguns domingos, pois essa área é bem coberta no jornal. Mas hoje, para começar, vamos enfocar o real.
A introdução do real começou bem. A troca do meio circulante deu-se com uma surpreendente tranquilidade, apesar da complexa taxa de conversão entre a moeda velha e a nova.
Creio que isso reflita bem a forte demanda da população por estabilidade de preços, como, aliás, se deu em todos os países que passaram por hiperinflação.
O Plano Real tem uma contradição de estratégia. Ele é um programa complexo, com possibilidades efetivas de manter baixa a inflação até o próximo ano. Isto porque, ao lado dos fundamentos (ou seja, equilíbrio orçamentário, câmbio, contas externas e salários), superaram-se diversos obstáculos e as bases são boas.
Mas, por outro, porque ter esperado, para quatro meses antes da eleição presidencial, o combate à inflação? Dava para se ter adotado este plano em 1993, mas perdeu-se muito tempo com a idéia do "currency board", que representaria uma camisa-de-força inadequada.
Apesar de ter os fundamentos a favor, a proximidade da eleição presidencial joga contra a estabilização. Para que uma estabilização vingue é necessário que os agentes acreditem que o governo está solvente e que os compromissos de políticas serão mantidos no futuro. Mas, como garantir isso, se o governo vai mudar em seis meses?
Outro ponto ainda não bem-equacionado refere-se ao controle monetário. Após muita hesitação, o governo ouviu o alerta de vários economistas (como o deste articulista), de que sem controle da oferta de moeda nenhum plano pode dar certo.
Vamos saudar a melhor compreensão do problema, demonstrada, por exemplo, na entrevista do diretor do Banco Central, Alkimar Moura, a esta Folha. Mas lembremos que até dois ou três anos atrás falar de "moeda indexada" e discutir seus malefícios eram tabus que geravam as mais diversas intempéries verbais dos seus opositores.
Por controle monetário, o governo entendeu que deveria estabelecer limites quantitativos para a base monetária. Esses limites breve se mostrarão bastante apertados, pois não se sabe de antemão quanto a população deseja reter de moeda com a inflação baixa.
Se as metas forem ultrapassadas, no entanto, isso pouco representará se até lá o governo tiver aperfeiçoado o controle da moeda.
Como isso ainda não está concluído, tem-se a armadilha de ter que manter taxas de juros elevadas para evitar saques das aplicações. Tampouco se criaram alternativas mais saudáveis de financiamento ao governo, deixando de recorrer a títulos de curtíssimo prazo.
Em artigo com Jeffrey Sachs, cujo resumo foi publicado na Folha, em 26 de junho, explicamos que controlar a base monetária não equivale a controlar a oferta de moeda no Brasil, dado o funcionamento das nossas instituições monetárias.
Ainda temos a existência de duas moedas: a moeda corrente e a moeda indexada dos fundos de curto prazo (quantativamente maior), cuja criação segue a taxa de juros.
Sugerimos, naquele artigo, que o governo deveria introduzir reservas compulsórias sobre todos os depósitos (algo como 20%) para reconstituir a base monetária. E defendemos terminar com a instituição da moeda indexada, alterando a sistemática operacional dos fundos de curto prazo.
O governo tem acenado que pretende fazer mudanças aqui, através do aumento da taxação. Mas isso não será suficiente para o objetivo desejado. Assim como não há meia gravidez, de pouco vai adiantar tentar meia desindexação da moeda.
Ainda há tempo para correções. Nesse caso, um pouco mais de equidistância da "Pátria Financeira" (usando a expressão cunhada na Argentina e que me foi recordada pelo prezado Clóvis Rossi) seria saudável tanto para o Brasil quanto para o real.

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