São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Executivo precisa aprender estratégia

DENISE CHRISPIM MARIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Na batalha contra a concorrência, a empresa que habilitar seus executivos a elaborar o planejamento estratégico terá uma vantagem competitiva que pode ser crucial para seu sucesso no mercado.
Essa é uma das teses defendidas por Kurt Christensen, professor de gestão e estratégia da J.L. Kellogg Graduate School of Management, uma das principais formadoras de executivos norte-americanos.
Popularizado nas décadas de 60 e 70, o conceito de planejamento estratégico sofreu alterações nos últimos anos, motivadas pela concorrência oriental e pelos novos modelos de gestão empresarial.
Pensar a estratégia da empresa deixou de ser atribuição de uma equipe especialmente contratada para isso.
Executivos em cargos de liderança assumem seus cargos com mais uma pesada função: implementar cada passo da estratégia que eles próprios esboçaram.
Em junho, Christensen esteve no Brasil a convite da Fundação Dom Cabral de Belo Horizonte, para acompanhar a segunda etapa do curso STC-Executivo.
O programa, desenvolvido em parceria com a Kellogg, tem a finalidade de aprimorar os conhecimentos e habilidades de 31 futuros líderes de empresas frente à crescente competição mundial.
A próxima etapa do curso, em agosto, será nas instalações da instituição norte-americana em Illinois (Estado do centro-norte dos EUA).
Christensen falou à Folha em um hotel-fazenda em Itu (92 km a noroeste de São Paulo), onde se concentraram durante sete dias os participantes do STC-Executivo.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha – Até que ponto o pensamento estratégico é essencial para a sobrevivência da empresa?
Kurt Christensen – Uma empresa tem que formular uma estratégia para se posicionar no ambiente em que atua.
A estratégia considera as oportunidades e ameaças no mercado, os pontos fracos e fortes.
Se a organização elaborar bem seu planejamento e conseguir implementá-lo, terá vantagem competitiva para chegar ao sucesso.
Folha – A tendência de globalização tornou a estratégia mais importante que há 20 anos?
Christensen – Sim, porque a globalização e a queda de barreiras comerciais entre países ampliaram as áreas de atuação das empresas. Há também outros dois aspectos importantes. Antigamente, o consumidor tinha que escolher entre preço e qualidade.
Se quisesse algo com melhor acabamento, teria que pagar mais. Hoje, o produto tem que ter qualidade e também bom preço.
O segundo aspecto é a concorrência com empresas mais eficientes, enxutas e ágeis. O sucesso depende do estabelecimento de metas, de um posicionamento mais claro. Aí entra a estratégia.
A competição global é inevitável. Preparar para esse mundo novo necessariamente envolve educação de executivos.
Folha – Como as empresas podem preparar seus executivos para esboçar e implementar estratégias?
Christensen – Isso envolve um processo de educação dos recursos humanos. O planejamento estratégico é uma realidade nova, que inclusive adota uma terminologia própria.
Por isso é necessário começar com a educação conceitual explicando, por exemplo, o que é uma vantagem competitiva.
Mas não basta a teoria. O executivo deverá também ser exposto à experiência de elaborar uma estratégia. E a empresa pode possibilitar isso fazendo-os participar de forças-tarefa, comitês ou equipes multifuncionais.
Folha – O vocabulário usado nesse conceito soa como linguagem militar. Ao mesmo tempo, temos observado executivos interessados em leituras como "A Arte da Guerra", do general chinês Sun Tzu. Há alguma relação entre experiências militares e o conceito de estratégia?
Christensen – Até certo ponto há uma analogia com o vocabulário militar. Originariamente, o termo estratégia era aplicado a confrontos militares. Pode-se dizer também que qualquer mercado mundial é um campo de batalha, no qual se compete pelos dólares do consumidor. Essa briga é cada vez mais acirrada.
Mas há uma limitação nessa analogia. No mundo dos negócios não há uma separação forte entre tática e estratégia, como entre militares. O preço, por exemplo, é afetado por uma série de fatores que, por menores que sejam, são estratégicos.
Folha – O conhecimento da cultura do país ou da região onde se deseja oferecer um produto pode ser considerado um elemento estratégico que o executivo deve dominar?
Christensen – Mercados diferentes envolvem culturas diferentes. Por isso é importante conhecer as sociedades nas quais se deseja colocar um novo produto. Nos Estados Unidos, por exemplo, é perfeitamente aceitável conversar sobre negócios com um estranho. Já no Japão, isso é inadmissível. Os negociadores terão que se conhecer bem antes de fechar um contrato. Uma gafe pode ser brutal para o andamento de um negócio.
Folha – Qual o perfil ideal de um estrategista?
Christensen – Um bom estrategista tem que ser uma espécie de catalisador de energias, alguém que conhece o potencial de seus colegas e subordinados e que consegue fazer com que todos trabalhem em benefício da estratégia.
Mas esse perfil mudou. O planejamento estratégico se popularizou muito nos EUA nas décadas de 60 e 70 e era arquitetado na matriz por uma equipe especial. Eram planejadores, que não tinham a responsabilidade de implementar nada. Hoje, quem pensa a estratégia tem que provar que ela funciona na prática.
Folha – Isso quer dizer que o antigo estrategista que não aprendeu a aplicar suas táticas perdeu o emprego?
Christensen – Nos últimos dez anos houve uma redução intensa desses planejadores nos quadros das empresas. Alguns se adaptaram –tornaram-se gerentes de linha ou consultores. Outros realmente perderam o emprego.
Folha – O que levou as empresas norte-americanas a criar as equipes de estratégia?
Christensen – Na década de 60 houve mudanças no ambiente das empresas e muitas se tornaram mais complexas, formando conglomerados, com atuação em vários segmentos.
Quanto mais diversificada a empresa, maior a necessidade do planejamento estratégico.
Folha – Até que ponto o desenvolvimento do pensamento estratégico nos Estados Unidos foi motivado pela concorrência de produtos japoneses?
Christensen – A percepção da necessidade da estratégia na verdade antecedeu a concorrência japonesa. Para muitas empresas, os produtos japoneses apenas realçaram essa necessidade.
O choque da concorrência japonesa ajudou as empresas norte-americanas a sair de sua visão isolada de matriz e conhecer mais produtos, clientes, necessidades de mercado. O confronto, portanto, foi saudável.
Folha – As empresas norte-americanas ainda investem nesse conceito?
Christensen – Há um interesse muito grande das empresas norte-americanas nesse raciocínio estratégico, para entender as vantagens competitivas, a agregação de valor aos clientes, os mercados. Eu repito bastante as palavras "pensamento" ou "raciocínio" até para não dar tanta importância ao documento formal, como acontecia antes. As mudanças são tão rápidas no mercado, que o documento pode atrapalhar. O mais importante é o aprimoramento da qualidade do pensamento estratégico.
Folha – No Brasil, grande parte das empresas é de origem familiar e ainda ainda não chegaram a profissionalizar seus quadros superiores. Até que ponto a falta de estratégias claras pode provocar desastres em empresas como essas?
Christensen – Depende do setor. Pode haver setores em que os concorrentes estejam na mesma situação. E aí tanto faz a empresa ter planejamento estratégico ou não para sobreviver. Mas a tendência no Brasil é as organizações enfrentarem dois tipos de fortes concorrentes: as multinacionais e as empresas locais pequenas que se tornam mais poderosas por causa das alianças ou parcerias com uma multinacional.
Às vezes não se fala claramente dentro das empresas sobre planejamento estratégico, mas existe um pensamento até intuitivo nessa direção.
Folha – O pensamento estratégico tem sido aplicado em empresas de outros setores, além da indústria?
Christensen – A chamada vantagem competitiva, a agregação de valor ao produto, são conceitos estratégicos que se aplicam a qualquer tipo de empresa, seja qual for o setor ou o porte. Até fundações sem fins lucrativos e entidades beneficentes estão percebendo a importância da estratégia. Se elas forem mais eficientes, terão acesso a maior quantidade de doações. Folha – Qual a melhor alternativa para a empresa: preparar um trainee ao longo de sua carreira no sentido de amadurecer uma visão estratégica ou treinar um executivo experiente?
Christensen – As duas alternativas são importantes. A empresa tem que envolver seus altos escalões nesse sentido. Se os diretores não compactuarem com essa necessidade não haverá como implementar uma estratégia. Mas a empresa deve trabalhar também os recém-formados que estão entrando em seus quadros. E aí se torna importante expor esses profissionais a diversas áreas da empresa. Para ser um bom estrategista é preciso ter uma visão da empresa como um todo. O profissional não pode ser especialista apenas em finanças, em produção, em recursos humanos.

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