São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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As minas fractais de Jorge Salomão

RODRIGO GARCIA LOPES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aos 48 anos, o poeta baiano Jorge Salomão lança o livro de poemas "Mosaical". Os 70 textos formam, no dizer do autor, "um mosaico musical", sem pretensão de apresentar um "estilo" único, ou uma idéia de unidade. "Mosaical" é um sintoma da extrema liberdade anárquica que os poetas gozam hoje: a de trabalhar com ampla variedade de ocorrências poéticas. Do poema-grafite à letra de rock, do lírico ao delírico, da prosa experimental a poemas "pós-concretos".
Hoje se pode perceber que a produção da "geração 70" –alvo do desdém dos acadêmicos–, revelou poetas muito mais interessantes do que os chamados "pós-concretos" ou da "geração 90" da linhagem construtiva e metalinguística, como Torquato Neto, Leminski, Cacaso, Tite de Lemos (já mortos), Chacal, Ulisses Tavares, Aristides Klafke, Glauco Mattoso, Alice Ruiz, Waly Salomão, Roberto Piva, Antonio Cícero, Duda Machado.
Com a poesia marginal a poesia brasileira aprendeu a ser um pouco mais "irresponsável", a cantar e dançar. Introduzindo mais "feeling", vitalidade e suíngue na poesia, esses poetas reacenderam a importância da experiência. Mesmo que muitas vezes essa "cruzada das crianças" tenha sido incompetente em termos de forma, não há dúvida de que ao recuperar o humor, explorar a proximidade com a música e a oralidade e captar as nuances da "fala brasileira", os poetas dos anos 70 contribuíram para oxigenar a poesia brasileira.
Todas essas conquistas estão nítidas em "Mosaical": Salomão usa uma dicção mais solta, um certo tom "conficcional". Assume o usual papel do poeta "outsider", "um cigano vagabundo/ um clown pirado" que "come vidro" e vai "soprando fogo por todos os poros/ abrindo caminho no fechado/ trilhando o claro/ escuro dos dias" ("Comendo Vidro").
Com uma visão colagística, fractal, Salomão incorpora em seus poemas gírias, clichês, jeitos e falas tiradas das ruas: "eu numa de santo/ alguém numa de click". "Não é por essa praia." Quando o uso desses materiais provoca surpresa, funciona. Escolhendo o "free verse", o poeta pinta como um fotógrafo do caos: em "Fúria e Folia", um dos pontos altos do livro, o poeta diz? "me chamo o vento/ passeando pela cidade destruída./ Na praça aberta, sou um colar de livres pensamentos/ quem quer comprar o jornal de ontem/ com notícias de anteontem?".
Há também a linguagem elétrica e direta de seus "lyrics" (parcerias com Frejat, Marina e outros). Muitos estão entre os melhores poemas do livro, como "Azul Azulão". "Mosaical", com seus altos e baixos, "caprichos & relaxos", é um sintoma da poesia hoje: plural, aberta, e imprevisível. Salomão prefere "dizer tudo" a se intimidar pela noção do poema como máquina de palavras. Para ele, poesia é registro de um processo vital.

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