São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Duas semanas de real

RUBENS RICUPERO

Duas semanas já nos permitem uma avaliação do convívio com a nova moeda. Meu balanço é positivo, com base na simples verificação dos fatos objetivos e inegáveis que vêm ocorrendo.
Em primeiro lugar, a participação da população, o seu engajamento maduro e sereno e sua confiança foram notáveis. Mais uma vez o brasileiro demonstrou, com civismo, que é um povo participante e que deseja que o plano dê certo.
As demonstrações de apoio que recebi de populares nos mais diversos locais deixam claro que quem estiver contra o plano, procurando levar vantagem ou boicotando, vai estar contra o sentimento geral da população.
A troca da moeda correu sem qualquer incidente, sem qualquer problema, ao contrário do acontecido em outros países, até recentemente. Percorri agências bancárias, falei com populares, verifiquei que a tranquilidade e a calma foram as palavras de ordem.
O próprio ato de trocar a moeda por uma inteiramente nova, de valor elevado e grande poder de compra, parece ter sido determinante. A divulgação do mecanismo de troca, da taxa de conversão e das qualidades do novo dinheiro, marcadas pelo rigor do seu lastreamento e das suas regras de emissão, teve um alcance acima da expectativa.
Da mesma forma que os demais elementos que compõem o plano, a troca da moeda não trouxe surpresas, choques, impactos. O país estava preparado, ansioso mesmo, para recebê-la.
Houve de fato um problema na distribuição das moedas do real, em função de uma estimativa conservadora sobre a demanda de troco e das dificuldades oriundas do pouco tempo disponível para reforma tão ampla e para o transporte a longas distâncias do peso considerável das moedas. Já solicitei ao Banco Central prioridade ao assunto.
A noção de que o centavo do real vale muito não é um recurso de retórica e por isso deve ter um tratamento correspondente na confecção e distribuição da moeda metálica. Também pedi ao BC que estude com urgência a questão do formato e identificação das moedas, procurando dar formas e cores diferentes a pelo menos duas das quatro moedas de centavos, acrescentando o símbolo R$ a essas moedas e aumentando o tamanho da moeda de um real.
A confiança na nova moeda também se traduziu no acréscimo no nível das aplicações financeiras. Errou quem apostou em uma retirada da poupança e em uma corrida ao consumo. Em vez disso, as aplicações na caderneta de poupança aumentaram 3% em julho.
Também na área do câmbio houve plena normalidade. O mercado cambiário apenas corroborou a confiança na nova moeda e o Banco Central em nenhum momento precisou intervir para controlar as taxas.
As preocupações do setor exportador vão-se refletir na adoção de medidas de estímulo na área fiscal e tributária, que o governo federal deve anunciar em breve, procurando com isso dar o exemplo a ser seguido pelos governos estaduais, responsáveis pelo principal da carga impositiva sobre as exportações.
A nota destoante ficou por conta das remarcações de preços na virada para o real. Por falsa precaução contra um congelamento que sempre dissemos que não ocorreria, ou por simples oportunismo, na eterna tentativa de levar vantagem, muitos comerciantes e industriais quiseram reter estoques e aumentaram abusivamente os preços sem qualquer justificativa de custos. O mesmo aconteceu com as passagens de ônibus em diversas cidades. O pãozinho de 50 gramas foi simbólico dessa insensibilidade que nós estamos neutralizando.
Por causa desses abusos, dessa irresponsabilidade, quase se passa para a população a idéia equivocada de que o real estaria associado a aumentos de preços. Mas a reação da sociedade e do governo foi forte.
Os preços começam a cair, porque o consumidor se retraiu e está valorizando o seu real. E os industriais e comerciantes começam a ver que o lucro agora vai estar mais na quantidade e menos na margem inflada a que se acostumaram na economia inflacionada de antes.
Os juros ainda estão elevados, em grande medida porque refletem a tendência de parte da economia de tentar preços altos e reter estoques. Os juros prudentes praticados nesta etapa inicial obrigarão a desova desses estoques e prevenirão a formação de estoques especulativos.
Com a queda da inflação e a reversão completa nos reajustes abusivos que foram feitos na passagem para o real, a tendência dos juros, que já se observa, é cair. A política de juros segue o mesmo critério de cautela que orienta a entrada nesta terceira fase do Plano Real.
O real chegou assim com apoio e participação popular e cercado de cuidados na área monetária e cambial. Por isso, o real chegou forte em termos políticos e econômicos. Demos um importante primeiro passo, mas este é só o início do começo, o ponto de partida de uma árdua caminhada que devemos empreender com sobriedade, sem triunfalismo.
Não podemos nos desmobilizar, não podemos baixar a guarda só porque o começo foi positivo e as perspectivas são boas. Cento e cinquenta e três milhões de brasileiros aguardam que o plano se consolide e que o real se firme como a moeda forte de um Brasil estável, que volta a crescer e que começa a ter fôlego para enfrentar as reformas estruturais que até agora não pudemos fazer.
Com o real, a estabilidade passa a dominar a agenda política e econômica do país, e o benefício dessa nova realidade não há de tardar, refletindo-se na própria renovação de mentalidade que as eleições de outubro vão proporcionar.
Estou convencido de que, ao contrário do afirmado pela "sabedoria convencional", não são as reformas prévias da Constituição e estruturais que condicionam o êxito do plano mas o inverso: o êxito do real, a curto prazo, é que vai viabilizar, a partir de agora, as reformas de que o país necessita no médio e longo prazo.

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