São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Anistia genocida

ÉDIS MILARÉ

Ao derrubar o veto do prefeito ao dispositivo que permitiria a regularização de edificações em áreas de proteção aos mananciais, os vereadores paulistanos converteram a lei municipal nº 11.522/94 numa mortífera roleta-russa, que acabará vitimando a população paulista e brasileira mais cedo ou mais tarde, acirrando os indicadores de mortalidade infantil e geral, já que as doenças de veiculação hídrica são responsáveis por 80% das internações hospitalares e por 33% das mortes, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
A alegação do autor da emenda substitutiva que estendeu a anistia a construções irregulares edificadas no entorno dos mananciais, de que tais entornos já estariam ocupados e o poder público não teria como reverter tal situação, equivaleria a propor a extinção das UTIs nos hospitais sob a justificativa de que essas somente cuidam de condenados à morte ou de enfermidades difíceis de curar.
Arselino Tatto, autor da emenda e líder do PT, esqueceu-se de um pequeno pormenor: à véspera de completar 20 anos de vigência, a lei nº 898/75, que protege os 18 mananciais da região metropolitana de São Paulo juntamente com a lei nº 1.172/76, que a regulamenta, está mais viva do que nunca e o governo estadual não abre mão de sua eficácia plena.
Enquanto a Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo do Ministério Público não se pronuncia sobre a questão, cabe-nos esclarecer que a edilidade paulistana legislou sobre um assunto que diz respeito não apenas aos outros 37 municípios da Grande São Paulo, como, igualmente, aos moradores das regiões de Campinas, Piracicaba, Bragança Paulista e até de municipalidades mineiras que administram nascentes e fontes que dessedentam São Paulo.
Com 547 dos 4.346 quilômetros protegidos pelas leis nº 898 e 1.175, o município da capital pode estar gerando, sob pretexto de acudir uma minoria de sem-terra, uma gigantesca legião de sem água ...
À véspera das eleições, tomemos por exemplo os reservatórios de Guarapiranga, Billings e Capivari-Monos, com 944 mil habitantes, incluídas aí as ocupações pré-existentes e regulares, tais mananciais respondem pelo abastecimento de 3,5 milhões de pessoas, mais de 20% da população metropolitana.
O preço da anistia às construções irregulares pode significar um incremento de até 500% no custo da água tratada (tamanha a quantidade de produtos necessários para livrá-la da poluição trazida por essa invasão dos mananciais).

Texto Anterior: Paraná; Rio Grande do Sul 1; Rio Grande do Sul 2; Santa Catarina 1; Santa Catarina 2; Santa Catarina 3; Santa Catarina 4; Santa Catarina 5
Próximo Texto: Executivo é morto durante roubo a carro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.