São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 1994
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Mais três idéias para a escola pública

CARLOS ESTEVAM MARTINS

Partidos e candidatos preparam-se para apresentar seus programas na área educacional. Nesta hora, o eleitor precisa precaver-se contra o facilitário populista, que promete resolver as questões da educação como se o Estado fosse tudo e a sociedade nada. O que precisamos, isto sim, é diminuir os altos índices de indiferença social que caracterizam nossa cultura cívica e que o populismo só faz reforçar.
Quem imagina que as dificuldades da escola pública possam ser enfrentadas exclusivamente no âmbito do Estado ignora um fato elementar e despreza o dado principal.
O fato elementar é que a massa de recursos ao alcance do poder público evoluiu na contramão da demanda: o governo, quando mais precisou gastar, menos passou a dispor, proporcionalmente.
O dado principal é que os agentes econômicos e a sociedade possuem preciosas reservas de energia e inovação, que apenas esperam ser mobilizadas.
Em artigo publicado nesta Folha (24/03) –'Três idéias para a escola pública'–, procuramos levar a debate alguns caminhos descentralizadores e participativos: 1) a redivisão de atribuições entre Estado e municípios, 2) a parceria empresa-escola e 3) a criação da escola pública autônoma.
Há outros caminhos a serem examinados. No total, estaremos sugerindo dez saídas para a assim chamada crise da educação. Neste artigo, detalharemos mais três sugestões.
4) Não há dúvida de que melhorar a arrecadação é condição necessária para afrouxar a camisa-de-força que limita a capacidade dos governos (federal, estadual e municipal) de ampliar os investimentos e a remuneração dos servidores.
É indispensável reorganizar o aparelho arrecadador e melhorar o combate à sonegação. Esses aperfeiçoamentos, no entanto, dependem –muito mais do que se imagina– da participação da sociedade civil.
Há bastante chão a percorrer nesse território. O consumidor precisa ter claro, por exemplo, que a emissão de nota fiscal não é apenas um problema entre o Estado e os vendedores de bens e serviços, mas um ato que, inelutavelmente, se relaciona com o exercício da cidadania. Quem dispensa a nota fiscal participa da sonegação e, nessa mesma medida, não se qualifica como cidadão.
De todo modo, a arrecadação dificilmente irá melhorar se a sociedade brasileira não eleger um Congresso Nacional disposto a rever em profundidade a carga que incide, pesada e exclusivamente, sobre os agentes do setor formal da economia.
Mantida a legislação em vigor, a arrecadação só pode crescer à custa de mais desemprego, mais recessão, mais injustiça tributária e mais guerra fiscal.
5) Se quiserem levar a sério o mote de que a educação é prioritária, os partidos políticos, os meios de comunicação e a opinião pública devem consequentemente repor em pauta, com toda a urgência, a questão do desenvolvimento.
Por importante que seja, a luta contra a inflação, a fome ou a corrupção não deve monopolizar as atenções a ponto de obscurecer as causas mais profundas dos nossos problemas e esterilizar a discussão sobre o modelo de desenvolvimento graças ao qual poderíamos transformar nossa herança histórica numa civilização digna de apreço.
O atraso nacional deprime a qualidade do ensino via desemprego, desequilíbrios regionais, concentração da riqueza, destruição do meio ambiente, degradação sociocultural e dependência do exterior.
A política de desenvolvimento poderá criar condições favoráveis para o avanço da educação pública não simplesmente pelo volume de recursos que acabará chegando às mãos do Estado; nem apenas pela retomada das matrículas nas escolas particulares ou pela reversão dos fluxos migratórios que pressionam por vagas no Estado de São Paulo; nem somente pela diminuição das despesas extrafuncionais, como é o caso dos gastos com segurança escolar e a recuperação dos prédios destruídos pelo vandalismo.
Mais importante é o fato de que um projeto de construção nacional, à medida que internaliza o processo de produção de valores e conhecimentos, estimula a vida intelectual, a pesquisa científica e a elaboração de novas tecnologias, fazendo crescer a demanda por quadros cada vez mais qualificados, em um leque de interesses e especialidades cada vez mais amplo.
6) No campo normativo, é preciso pôr em evidência a necessidade de reforma geral da legislação pertinente. O marco jurídico que rege o sistema estadual de ensino não pode continuar como está. Mudá-lo será um avanço colossal, que depende muito menos do Poder Executivo do que da mobilização da opinião pública.
Por exemplo: há que se enfrentar com franqueza o problema do absenteísmo normatizado que, sob as mais variadas formas, onera a folha de salários da educação. Nem a mais eficiente empresa particular do mundo seria capaz de funcionar sob o jugo da legislação que rege o nosso sistema de ensino.
Aplicadas ao setor privado, as normas em vigor no setor público produziriam, pura e simplesmente, falência. Essa, por sinal, é a convicção dos principais líderes empresariais de São Paulo.
Sempre que se fala em reforma da legislação, há quem suspeite que a estabilidade será posta em xeque. Aqui não se trata disso.
Na verdade, a estabilidade protege não só a pessoa do servidor como a própria capacidade de atuação do Estado, ao impedir que funcionários de carreira sejam exonerados por motivos políticos ou de ordem particular. É duplamente necessária, portanto. Mas a preservação da estabilidade não pode ser sinônimo de acobertamento da impunidade.
Os caminhos que estamos sugerindo –dez ao todo– constituem roteiros variados e desafiadores. Mas só avançaremos por qualquer um deles se a sociedade abandonar a omissão, tomar a si os problemas, refletir sobre as escolhas possíveis e, assim, ajudar o governo a fazer a parte que lhe cabe.

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