São Paulo, quinta-feira, 28 de julho de 1994
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A volta da arbitrariedade

PAULO PAN CHACON

É no mínimo enjoativo o noticiário sobre mensalidades escolares. São sempre as mesmas questões: o público e a imprensa vêm em José Aurélio de Camargo, presidente do sindicato das escolas, o protótipo do "tubarão do ensino"; os editoriais atacam a mediocridade presidencial, graças Deus, em final de carreira; os donos de escolas recusam o diálogo com lideranças sociais de consumidores (Mauro Bueno) e estudantis (Fernando Gusmão) porque não lhes reconhecem representatividade.
O que fazer com esse telefone sem fio? Sabemos todos qual é a base desse conflito sem fim: o sucateamento da rede pública de ensino e a proletarização da classe média.
Por enquanto, os governantes nada fizeram para combater as causas. Resta à sociedade encontrar a saída para o fenômeno aparente (a crise das mensalidades), esperando e torcendo para que os futuros governos federal e estadual enfrentem o profundo mais do que o aparente.
A solução já existe: chama-se contrato de adesão. É uma figura jurídica prevista na Lei de Defesa do Consumidor e no qual a prestação de serviços educacionais se encaixa com perfeição. Por que então o governo se recusa a ver o contrato?
O contrato representa a existência de regras claras e pré-definidas: preço-base, forma e dia de pagamento, índice de correção e periodicidade. A grande maioria dos pais convive com essa forma desde 1990 porque sabe que é a mesma forma que se dá na sua relação com o aluguel, financiamento da casa própria, o seguro do carro, o seguro-saúde etc.
O governo no entanto nega olimpicamente essa realidade legal que deveria ser uma exigência. Através dele não haveria abusos de proprietários desonestos durante o ano letivo e, se isso ocorresse, o pai teria na mão o instrumento jurídico incontestável para se defender. Em outras palavras, mais do que a escola, são os pais e o governo que deveriam exigir o contrato.
Mas e o cartel das escolas, como diz o desinformado Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)? Eu pergunto: qual cartel, cara pálida?
Só em São Paulo somos 2.000 escolas de ensino regular com preços variando de um para dez. Qualquer manual de economia define cartel como a reunião de poucas empresas que dividem entre si o mercado e controlam, para cima, os preços.
Alguém é capaz de imaginar melhor concorrência do que a que acontece na área do ensino privado? Mesmo que os termos do contrato (não os valores) fossem rigorosamente iguais (e não são) qual seria o problema? Os contratos de aluguel são padronizados e adquiridos em papelaria. Isto é cartelização? Ridículo. O que importa é a concorrência de localização, de qualidade e de preço.
Recusar o contrato é ignorar o único instrumento jurídico constitucional, detalhado pelo Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) e socialmente respeitado. As sucessivas derrotas do Ministério Público de São Paulo e a recente liminar concedida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) só confirmam essa tese.
O próprio procurador-geral da República, dr. Aristides Junqueira, representando o Ministério Público Federal no STF, declarou-se pela inconstitucionalidade da medida provisória nº 550 porque "este corte decidiu que os contratos... não podiam ser objeto da MP exatamente por ferir o ato jurídico perfeito, garantia constitucional essa posta no art. 5º, inciso XXXVI, que traduz a segurança jurídica exigida por toda sociedade organizada. Se um contrato firmado, acabado, com prestações vencidas já quitadas é atingido pela lei que modifica esses critérios em virtude de mudança do padrão monetário, esta corte já decidiu não só em liminar, mas em definitivo, que isto fere a garantia constitucional do ato jurídico perfeito".
Assim, é inócuo discutir uma nova MP que, mais uma vez, é anticontrato e retroativa. Se as escolas mantiverem a coerência, deverão recorrer novamente ao STF para que fique claro que temos um descontrolado no Planalto que violenta a Constituição só para fazer de conta que ainda governa.
Afinal, se somos educadores com um papel social a cumprir, ele seguramente passa pelo cumprimento da lei e da Constituição. Só assim se combate a demagogia e o arbítrio.
Incompetente para administrar o país, o presidente se apóia num plano econômico que não é seu, mas que faz o possível para mutilar para desespero do Ministério da Fazenda.
Da mesma forma, ignora a importância do setor educacional privado recusando-se ao diálogo e produzindo MPs que nem ao menos olham para o futuro.
Se é esse o caminho, pergunta-se: e 95? Começa tudo de novo? Contrato em São Paulo e "laissez-faire" no resto do Brasil? Qual nova MP regerá o mercado de escolas privadas?

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