São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 1994
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Servidores públicos, pobres vilões

AMÉRICO KERR

Discute-se atualmente um reajuste salarial para os servidores públicos federais, atraés da implantação de uma primeira etapa de isonomia salarial entre os três Poderes da União. Essa forma de reajuste contemplaria apenas aqueles que ainda não receberam os benefícios em pauta.
Uma comissão, com representantes dos servidores e do governo, analisou a disponibilidade financeira da União. Há recursos.
A Receita Federal estima que a arrecadação do ano de 94, em relação a 93, terá um crescimento real de 30%, observando-se nestes primeiros meses do ano um acréscimo de R$ 1,2 bilhões/mês. A implantação desta etapa da isonomia custaria cerca de R$ 400 milhões/mês.
Sob o ponto de vista do Orçamento de 1994, devidamente corrigido, também sobram R$ 2,58 bilhões em relação à execução das despesas de pessoal até abril/94 mais a projeção para o ano.
Os representantes do Ministério da Fazenda se recusaram a reconhecer a existência de recursos e lançaram mão de uma falsificação vexaminosa.
Estava previsto que as receitas seriam convertidas pela média mensal da URV, pois a arrecadação de tributos se distribui ao longo do mês, enquanto as despesas de pessoal e encargos seriam convertidas pela URV da data do seu efetivo.
Constatada uma folga orçamentária, os técnicos da Fazenda passaram a alegar que os salários também teriam de ser convertidos pela URV média do mês!
Um aluno de contabilidade ganharia um zero redondo se apresentasse essas contas em uma prova. Mas os técnicos da Fazenda, no afã de bloquear qualquer reajuste salarial para os servidores, não coram ao dizer que tanto faz pagar um salário no dia 15 como no dia 30, mesmo com as brutais taxas inflacionárias dos últimos meses.
O presidente Itamar Franco, em reunião com o presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, e representantes dos servidores, se comprometeu com essa etapa da isonomia, caso houvesse recursos.
Resta saber se o compromisso será cumprido ou se prevalecerão os argumentos daqueles que acusam o "mau exemplo do governo diante do Plano Real", se houver esse reajuste. Estes omitem que os servidores tiveram a pior conversão salarial com o Plano Real e que o maior ônus para os cofres públicos é o pagamento de uma dívida pública a juros reais de 30%.
Todavia, para a sociedade, a questão de fundo não é simplesmente determinar se existe ou não recursos. Deve-se analisar a relevância dos serviços e dos servidores públicos.
Não há dúvida quanto às insuficiências desses serviços para atender às demandas do Estado e da população. Mas é um equívoco creditar esse fato aos servidores.
As pessoas raramente se dão conta de uma união nefasta entre governos e interesses privados, patrocinadora do que qualificamos de "incompetência programada".
Uma "natural" desorganização do Estado tem criado e alimentado uma série de empresas, transformando direitos sociais fundamentais, como educação, saúde, moradia e transporte em meros objetos de lucro. A população contabiliza prejuízos inegáveis.
O arrocho salarial dos servidores tem sido instrumento poderoso para a desorganização, destruição e/ou privatização dos serviços públicos.
Entre março/90 e maio/94, o servidor federal que não teve qualquer reajuste salarial diferenciado, viu seu poder de compra dividido por 4,24.
Como reflexo disso, a participação dos "Salários e Encargos" nas "Receitas Correntes" caiu de 38% em 1989 para 22% em 1993 (Diário Oficial da União –edições desse período), sendo que as disposições transitórias da Constituição Federal permitem um gasto de até 65%.
Esse processo é perverso para os servidores públicos que terminam recebendo a carga de responsabilidade pela "incompetência programada".
É necessário dar um basta a esta recorrente "malhação do Judas". Valorizar o servidor, recuperar a administração pública e geri-la de forma transparente e democrática é indispensável para que o Estado tenha capacidade administrativa e atenda as demandas sociais do povo brasileiro.

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