São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 1994
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O Mercosul na encruzilhada

LUIZ A. P. SOUTO MAIOR
No momento em que escrevo, os quatro países que integram o Mercosul encontram-se engajados numa série de reuniões que culminarão com um encontro dos respectivos presidentes no dia 5 de agosto. O que nelas se decidir poderá ser decisivo para o futuro do projeto integracionista formalizado no Tratado de Assunção.
De acordo com aquele tratado, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) deveria estar estabelecido até 31 de dezembro de 1994, assegurando, desde então, "a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos" entre os países que o integram.
Tal prazo era sabidamente irrealista e o fato de que não será respeitado não chega a ameaçar o objetivo final a que se comprometeram Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O que hoje se espera é que os quatro, até o fim do ano, estejam integrados numa união aduaneira, isto é, com os seus mercados razoavelmente unificados e defendidos por uma tarifa externa comum.
Esta defesa uniforme do mercado interno dos Estados-membros deverá ser fixada no nível mais baixo compatível com a sobrevivência competitiva das respectivas indústrias nacionais.
De pouco serviria, porém, tal uniformidade tarifária se não fosse acompanhada de normas complementares comuns relativas a questões como regras de origem, práticas desleais de comércio, salvaguardas e o funcionamento de zonas francas, entre outras.
Também se espera que o Mercosul –embora sem ter chegado ainda ao estabelecimento de um verdadeiro mercado comum– tenha adquirido, até o fim do ano, instituições que o habilitem a tratar com terceiros como uma unidade e não como mera justaposição coordenada de Estados-membros.
A União Européia (UE), por exemplo, já indicou sua disposição de negociar com o Mercado Comum do Sul, desde que ele tenha a necessária personalidade internacional.
Cada um dos aspectos acima mencionados afeta, entretanto, interesses consideráveis e nem sempre coincidentes dos quatro.
No caso da tarifa externa comum, por exemplo, o Brasil, com um parque industrial maior e mais diversificado, precisa de melhor proteção para determinados setores, como os de informática e de bens de capital, do que aquela que os seus três parceiros parecem dispostos a aceitar. Assim, é de temer que se tenha de chegar a 1995 com algumas exceções ao tratamento tarifário uniforme que todos em tese desejam.
O grande desafio será conseguir que tais exceções sejam de tal forma limitadas que não comprometam o objetivo de curto prazo da constituição de uma união aduaneira.
No tocante ao funcionamento das zonas francas, Brasil e Argentina parecem entender-se entre si, mas não com o Uruguai e o Paraguai.
No que diz respeito aos arranjos institucionais é inevitável que surjam divergências em torno do grau de supranacionalidade a ser atribuído aos órgãos que se venham a criar.
Um processo de integração ambicioso como aquele em que se engajaram os signatários do Tratado de Assunção é necessariamente complexo e longo.
A consecução do objetivo final exige não apenas a conciliação de interesses setoriais, mas também certa convergência de percepções do quadro internacional.
As divergências tópicas serão tão mais difíceis de superar quanto maiores as diferenças de percepção dos grandes interesses nacionais e do posicionamento de cada país no cenário mundial.
Na medida em que haja a convicção geral de que o Mercosul é um instrumento prioritário para o desenvolvimento econômico e a afirmação política crescente, frente a terceiros, do conjunto dos países que o integram, sempre será possível encontrar solução para problemas setoriais como o das alíquotas que devem compor a tarifa externa comum.
Na medida, porém, em que tal convicção fraqueje, dificuldades localizadas tenderão a magnificar-se, tornando difícil chegar-se a uma efetiva integração econômica entre os quatro.
Neste sentido, as reuniões ora em andamento não são apenas um desafio à capacidade negociadora das delegações que delas participam. São um teste da fidelidade dos signatários do Tratado de Assunção ao compromisso implícito naquele instrumento de atribuir ao processo de integração sub-regional prioridade máxima nas respectivas políticas externas.

LUIZ A. P. SOUTO MAIOR, 66, é embaixador do Quadro Especial do Ministério das Relações Exteriores. Foi embaixador do Brasil junto às Comunidades Européias (1977-84), no Peru (84-87) e na Suécia (87-90).

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