São Paulo, sábado, 30 de julho de 1994
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'Cidadão Kane' nacional foi dono de jornais, rádios e da TV Tupi

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (1891- 1968) emerge das páginas de "Chatô - O Rei do Brasil" como um comprador incansável de brigas e jornais, de uma arrogância só inferior à sua obstinação.
Jornalista de 17 anos, por exemplo, saiu em ataque ao "exibicionismo" do então papa da intelectualidade brasileira, Sílvio Romero, sedento por uma polêmica que fizesse seu nome paraibano ir circular "no Sul".
Romero não lhe deu bola, mas Assis Chateaubriand colheu frutos de sua impetuosidade, tanto que o livro com seus textos contra Romero saiu publicado no Rio de Janeiro. Raras vezes, em toda sua vida, Chateaubriand não conseguiu o que queria.
Repórter e biógrafo brilhante, Fernando Morais, com um tal personagem na tela do computador, surgido de sete anos de pesquisas e viagens, tomou a decisão certa: deixou o texto correr, salpicando-o com o charme habitual.
Os 37 capítulos, em mais de 700 páginas, se sucedem com o mesmo dinamismo que caracterizou a vida do chamado "Cidadão Kane brasileiro".
O livro é um moto-contínuo de sonhos realizados: ter um jornal, bater o recorde na circulação da revista "O Cruzeiro" (que passou dos 200 mil exemplares), ter um jornal em São Paulo, ter um conglomerado de jornais (chegou a 28), contratar a nata da imprensa nacional (de Rubem Braga a Sérgio Buarque de Holanda), conquistar vedetes, eleger Getúlio, derrubar Getúlio, comprar rádios, fundar a primeira TV do país (a Tupi), criar o "Louvre brasileiro" (o Masp), ser senador, ganhar a embaixada em Londres, entrar na Academia Brasileira de Letras.
Os meios para atingir esses fins raramente foram idôneos. Atirar no industrial alemão que tentou lhe tomar "O Jornal", superfaturar em aquisições de telas para o Masp, abusar do jogo de influências para arrancar empréstimos e doações, difamar quem se pusesse em seu caminho (Francisco Matarazzo, Samuel Wainer), prometer casamento à namorada francesa grávida e não cumprir, impedir escolha de ministros (Dario de Almeida Magalhães, no governo Dutra). A biografia é também um catálogo de maracutaias.
Morais, entretanto, não julga o sujeito de seu trabalho. Descreve com objetividade (e provas) a moral dúbia de seu personagem. Aqui e ali, apenas, não poupa franqueza: fala, por exemplo, dos "incontáveis atropelos à ética jornalística" cometidos por Chateaubriand. Mas deixa claras tanto a impressão de que o condena como a de que ele o fascina.
O leitor acaba convencido a partilhar do seu ponto de vista. Poucos personagens seriam tão riquíssimos como o biografado, e não só por sua participação na história –Chateaubriand é um vórtice único para se enxergar o Brasil do século 20.
A biografia mostra, sobretudo, como é exata a descrição de Assis Chateaubriand feita pelo poeta Olavo Bilac: "Chateaubriand tem brilhantes na cabeça, mas carrega cascalhos no bolso".

Título: Chatô - O Rei do Brasil
Autor: Fernando Morais
Páginas: 732
Quando: quinta-feira nas livrarias
Quanto: R$ 28

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