São Paulo, sábado, 30 de julho de 1994
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Coquetel recessionista

LUCIANO COUTINHO

A atividade econômica brasileira crescerá no segundo semestre deste ano?
NÃO
Obtidos resultados favoráveis ao Plano Real em julho, no mês de agosto será importante fixar a confiança no sucesso da estabilização.
Agosto também será crítico no campo político: o início do programa eleitoral gratuito terá impacto significativo sobre as preferências. Se o governo pretende fortalecer o seu candidato, precisará agir coerentemente.
Por isso a equipe econômica precisa demonstrar que controla a situação fiscal e que administrará fielmente as metas monetárias do real.
Será imprescindível manter o aperto monetário e os juros elevados, evitar um desmantelo fiscal e administrar competentemente o saldo de operações cambiais.
Mais ainda, será essencial resistir às pressões por reindexação e garantir a estabilidade das âncoras nominais –salários, tarifas, câmbio.
Vale sublinhar: o plano é intrinsecamente recessivo e sua administração, se coerente, deve levar à desaceleração da economia.
Esta cresceu 5,3% no primeiro trimestre, desacelerou-se um pouco no segundo e deve continuar assim no segundo semestre, fechando o ano de 1994 com um crescimento anual modesto (2,5%) e nível elevado de desemprego.
Serão árduas as batalhas a serem enfrentadas:
1) Será fundamental manter o arrocho sobre as contas públicas, diante das pressões colocadas pelo reajuste do funcionalismo e das Forças Armadas.
O desempenho do Tesouro no primeiro semestre foi precário, com um déficit de R$ 3,3 bilhões, expansão dos gastos acima do previsto e despesas de juros internos e externos de R$ 8,8 bilhões.
A equipe econômica precisará contornar novas demandas salariais por parte das estatais e impedir que o efeito-demonstração dissemine esses aumentos para o setor privado.
Será necessário melhorar a receita tributária e evitar qualquer sinal de desequilíbrio de gastos, tarefa espinhosa num ano eleitoral.
2) A equipe precisará assegurar o estrito cumprimento das metas monetárias. A manutenção destas, dado o compulsório de 100% sobre o acréscimo de depósitos à vista com relação às médias observadas pré-plano, colocará o sistema bancário sob permanente tensão nos próximos meses. Instituições de pequeno porte continuarão expostas ao risco de liquidação. A tarefa mais difícil será a de lidar com os bancos estaduais. Vários deles precisarão empreender profundos ajustes.
Outro sério desafio é o de desmontar as aplicações líquidas de curto prazo –pois a existência de dinheiro indexado é absolutamente incompatível com a afirmação da nova moeda.
3) A administração do saldo de operações cambiais não parece problemática a curto prazo em face da magnitude das reservas (US$ 43 bilhões).
A sobrevalorização deliberada da taxa de câmbio em reais permitiu refrear a entrada de capitais, de forma compatível com a política monetária –porém à custa de prejuízo para os exportadores.
Enfim, para que o real se fixe e cumpra o seu papel de travessia (política e econômica) é de se esperar que seja coerentemente implementado: juros altos, controle quantitativo da moeda, sobrevalorização cambial, arrocho fiscal, salários contidos. Um coquetel evidentemente recessionista.

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