São Paulo, sábado, 30 de julho de 1994
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A bordo da montanha-russa

JOAQUIM ELÓI CIRNE DE TOLEDO

A atividade econômica brasileira crescerá no segundo semestre deste ano?
SIM
Tudo leva a crer que estamos subindo outra vez a montanha russa dos ciclos econômicos que acompanham os planos de estabilização. O comportamento padrão é nosso velho conhecido, pois ocorreu em todos os planos brasileiros anteriores (Cruzado, Bresser, Verão, Collor 1 e Collor 2). E não estamos sozinhos: é esse também o comportamento padrão de muitos outros países, tendo até recebido um nome, "boom de construção" (ou "ciclo do choque").
Há três razões básicas para a expansão de demanda e de atividade econômica prevista para os próximos meses.
Primeiro, a significativa redução do "imposto inflacionário". Com baixa inflação, reduz-se muito a perda que sofríamos, da ordem de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões por ano, pela corrosão inflacionária do valor do dinheiro (inclusive, de certas aplicações financeiras). Perdem o governo e o sistema financeiro; ganha a população –alimentando a expansão do consumo.
Segundo, a inflação baixa reduz o grau de risco na economia. Isso induz a movimentos de realocação das carteiras ("portfolios"), gerando aumentos nos preços de ativos reais, como imóveis. A recuperação desses mercados é acompanhada por expansão dos níveis de atividade nos setores que produzem tais ativos (ex: construção civil imobiliária).
Terceiro, a expansão generalizada de crédito na economia. Como todos os países de alta e crônica inflação, o Brasil também sofria de "repressão financeira". Com baixa inflação, ressurge fortemente o crédito, principalmente fora do sistema financeiro.
Empresas ampliam seus prazos de venda a outras empresas; varejistas expandem o crédito ao consumidor (há postos de gasolina que aceitam cheques pré-datados para 30 dias). Consumidores antes reprimidos usarão a folga do crédito para expandir seus gastos de consumo (transitoriamente, é claro).
Será natural que todas essas fontes de demanda adicional induzam a expansões nos níveis de atividade econômica, que reforçarão ("multiplicando") as expansões originais. Não adianta alegar que os juros altos conterão a demanda: o impacto fiscal dos juros sobre a dívida pública e a fragilidade de parte do sistema financeiro impedirão que o Banco Central atue agressivamente (para não falar da aversão política a juros altos...).
Se essa previsão for correta, então se arrependerão aquelas empresas que hoje estão dando férias coletivas e/ou despedindo trabalhadores. Ao invés de contraírem as atividades, deveriam preparar-se para a fase expansiva do ciclo.
O "boom" pode ser, porém, uma faca de dois gumes. De um lado, a expansão beneficiará a população e o próprio governo, aumentando a arrecadação tributária em todos os níveis, assim reduzindo as pressões inflacionárias geradas pelo déficit público.
De outro lado, porém, a expansão econômica pode criar suas próprias pressões de aceleração da inflação, ao viabilizar: aumento das margens de lucro de produtores, atacadistas e varejistas; aumento dos preços reais das matérias-primas; e, simultaneamente, aumentos nominais de salários –ao mesmo tempo em que se reduzem os salários em termos reais.
Ou seja, o "boom" pode trazer em seu bojo a recessão posterior –como sempre ocorreu no Brasil.
Se esse processo não for estancado, estaremos todos a bordo da montanha russa –onde se sobe depressa, para depois ainda mais rapidamente descer.

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