São Paulo, sexta-feira, 5 de agosto de 1994
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Historiador investiga o paraíso em mapas antigos

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil já foi o paraíso. Durou dois séculos, do 16 ao 18. Era tudo imaginação de cartógrafos e cronistas, mas o historiador Plínio Freire Gomes, 27, quer saber por que eles escolheram justamente o Brasil para ser terra de Adão e Eva e da serpente.
A resposta, segundo Gomes, está numa área pouco explorada pelos historiadores atuais –aquela que faz intersecção entre mapas e documentos históricos.
Foi num mapa do final do século 17 que o pesquisador encontrou o exemplo mais clássico de que o paraíso ficava no Brasil. O mapa do peruano Antonio León Pinello já se desnuda no nome. Chama-se "Continens Paradisi".
Mostra a América do Sul de ponta-cabeça e onde é a Amazônia está escrito "Eden", "Arbor Vita" (árvore da vida), "Locus Voluptatis" (local das volúpias) e "Boni et Mali" (bem e mal).
Outros cronistas foram ainda mais longe do que Pinello.
O português Pedro de Rates Hanequim, aventureiro que veio ao Brasil em 1702 em busca de ouro e saiu daqui acreditando que era um profeta do mesmo porte de Moisés, escreveu que a fruta do paraíso era a banana e que no céu se falava português.
Mitos do Novo Mundo
Delírio? Gomes defende que não. Essa geografia mítica, na qual rios descritos no Gênesis são afluentes do Amazonas, nasce com os descobrimento e da falta de conhecimento que se tinha do Novo Mundo, segundo ele.
"Como a Terra crescia mais rapidamente do que o conhecimento, esse vazio era preenchido por mitologias", diz Gomes.
O fenômeno não é exclusivo ao Brasil. O rio Ganjes, na Índia, já apareceu em mapas tendo como nascente o paraíso. Num mapa da América, a fonte da juventude ficava onde é a Flórida.
No começo dessa mitologia, no século 16, o Brasil ainda ocupava um espaço pequeno no imaginário europeu. Cronistas e cartógrafos privilegiam o Peru, onde havia prata em abundância para confirmar a idéia do paraíso.
Foi quando se descobriu ouro em Minas, no início do século 18, que cresce o mito do paraíso brasileiro, segundo Gomes.
Mas por que o paraíso, se a Igreja católica condenava a idéia de se buscar o Éden na terra e não hesitou em queimar Hanequim na fogueira da inquisição sob a acusação de heresia?
Em mapas do século 12 é comum Jerusalém ocupar o centro da Terra e Adão e Eva aparecerem no que eles chamavam de Ásia.
Gomes já pesquisou esses mitos no mestrado que fez na USP. Quer ampliar as respostas no doutorado que fará no Instituto Universitário Europeu em Florença (Itália).
O mito do paraíso brasileiro precisa ser comparado com mitos similares que surgiram na Índia e na África, segundo ele. É essa comparação que ele fará em mapotecas de Londres, Paris e Lisboa.

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