São Paulo, sexta-feira, 5 de agosto de 1994
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Uma lei das arábias

JOSÉ SARNEY

O subdesenvolvimento político é tão nocivo quanto o subdesenvolvimento econômico. Ele atrasa os países, destrói as instituições, impede que elas se implantem e se consolidem, porque é um processo de auto-realização dos baixos processos eleitorais e políticos.
Uma das suas faces mais visíveis é a do processo eleitoral. As democracias vivem constantemente na busca de aperfeiçoá-lo. No Brasil, este lado tem sido dramático, vive de avanços e recuos.
Um rumo inadmissível foi a lei 8.713/93, que "estabelece normas para as eleições de 3 de outubro de 1994". Nunca houve uma legislação tão cheia de lacunas e de detalhes, o que é um paradoxo.
Foi uma lei feita com os olhos voltados para o passado e com a restritiva e tacanha visão de que a polícia eleitoral, e não a melhoria dos costumes e processos, pode purificar a democracia e melhorá-la.
Foi uma ação entre amigos e, como tudo que aconteceu no Congresso em 1993, passou com uma omissão total dos parlamentares, apáticos sobre a gravidade do que estavam votando, de forma negociada e aprovada pela ditadura dos delegados das lideranças.
Os tribunais eleitorais estão abarrotados de trabalho, recursos, consultas e sob seus ombros uma tarefa materialmente impossível.
Quiseram fazer uma lei antiefeito Collor, com a visão de que a vitória de Collor foi um fenômeno de televisão e não político, em que ele conseguiu mobilizar o país com uma mensagem equivocada e fraudada.
Não foi a TV, foi aquilo que sempre aconteceu na política: políticos messiânicos que eletrizam as multidões e destroem as nações.
Hitler não tinha TV, nem Mussolini, nem alguns políticos brasileiros que também repetiram o mesmo fenômeno.
Depois, quiseram engessar o processo eleitoral, que na democracia vive da participação dos partidos e do povo, na paixão do bem comum, na paixão de escolher seus candidatos.
Pois bem, a legislação quis entregar à Justiça Eleitoral tutelar a eleição, regular trucagem eletrônica, diferença entre cartaz, placa e outdoor, fundo neutro, pode falar, não pode, como se os candidatos não fossem representantes dos partidos e os programas de TV e propaganda geral não estivessem interligados num sistema de capilaridade que é a vida, a doutrina, a militância, as lideranças que compõem as agremiações partidárias.
Como achar que a eleição seja um processo que a Justiça Eleitoral tenha de monitorar, puxar orelhas e comandar? Onde está a democracia?
Será que é assim que ela funciona fora do Brasil e chegou até nós, desde o discurso de Péricles aos mortos na Guerra do Peloponeso?
Leis para cada eleição são a maior característica do nosso desenvolvimento político.
Esta reforma deve ser feita, é a primeira de todas: um Código Eleitoral, permanente, que seja a norma reguladora intemporal, e não essa bagunça de leis, resoluções, normas, consultas que fazem com que a eleição precise mais de advogados do que eleitores.

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