São Paulo, domingo, 7 de agosto de 1994
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Ode a uma Fiesp combalida

RICARDO SEMLER

A Fiesp acabou. Em relação ao que era, digo. Depois que o Roberto Simonsen, mais de 60 anos atrás, vislumbrou a necessidade corporativista de um empresariado unido, o papel amplo da Fiesp se esgotou. Ele acabou no dia em Sarney chamou o Mário Amato de Bakunin. Pela primeira vez ficou claro que governo e empresariado não estavam mais fechados em copas, procurando interesses conjuntos. A democracia havia atingido o Planalto antes da Avenida Paulista, e o entulho autoritário continua na Fiesp até hoje.
Não é só o mecanismo de currais eleitoreiros, através de sindicatos de guarda chuvas, bengalas e bugigangas que prende a Fiesp ao anacronismo. E nem mesmo a fragmentação da entidade em diversos pólos. É claro que boa parte dos empresários intelectuais se foi em direção ao Iede, e grande porção dos idealistas em direção ao PNBE. O que sobrou não podia ser diferente. Um grande centro de reivindicações corporativistas. Não chega a ser apenas um escritório de despachantes de luxo, mas corre esse risco, através da pequena luta da política classista, tão paroquial quanto vimos nestes dias com a saída do seu Diretor de Economia.
Estas afirmações vêm de alguém que foi diretor da casa por seis anos, mas que participou da chapa (do Kapaz) derrotado pelo atual Presidente, por isso parecerão um ataque aos que estão hoje na Casa. Não é, e nada tem a ver com o Moreira Ferreira e sua Diretoria, que são perfeitamente competentes dentro de seus papéis. O mundo do empresariado é que mudou radicalmente, e a entidade não. A indústria, como setor da sociedade, já não representa tanto, do mesmo modo que o setor cafeeiro, que mandava sozinho no país na época da fundação da Casa, hoje não representa muito. Os setores de serviços, comércio, propriedade intelectual, bancos e inteligência hoje suplantaram a manufatura. Inexorável, portanto, a decadência da Fiesp como centro de poder. Esta entidade, que lia decretos antes que saíssem, que falava com o Ministro da Fazenda todo dia, que arrecadava recursos para o Doi-Codi e indicava altos escalões do governo a rodo, não é mais a mesma. Sentiu isto na pele na Constituinte, onde grande parte dos seus importantes projetos foram derrotados, apesar da maciça mobilização de lobby da Casa. Viram seu poder minguar, e, junto com o Roberto Marinho, guindaram Collor para a chefia do país, trazendo a credibilidade dos empresários para a mais baixa de toda a história do país.
Há duas possibilidades. Ou a Fiesp continua no seu caminho atual, e se transforma num centro de despachos regional e corporativista, ou passa por cima das vaidades em direção a uma entidade tão representativa quanto foi nas décadas anteriores. Neste caso, é a formação da Fiesp do B, uma confederação nacional, ao invés de paulista, com a inclusão dos setores de serviços, comércio, agricultura e assim por diante. Uma entidade nova, que reunisse desde Febraban até Sociedade Rural Brasileira, desde lojistas até TVs a cabo. Sei que envolve uma fogueira de vaidades, mas o Brasil já come poeira grossa de países com elites mais inteligentes, que aprenderam que o enriquecimento do empresário, através da proteção, financiamento ilícito de políticos, subsídios disfarçados, e evasão de impostos cria um país combalido e despreparado, como este que vos fita, após 60 anos de articulações bem-sucedidas da Fiesp. Sacudir a poeira e dar a volta por cima?

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