São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Estado de Iberê piora e pintor é internado

Artista passou mal depois de pintar o quadro 'Solidão'

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O pintor Iberê Camargo, 79, foi internado na madrugada de ontem no CTI (Centro de Tratamento Intensivo) do Pavilhão Pereira Filho, na Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre (RS).
Vítima de câncer no cérebro, o pintor, que já teve tumores na faringe e no pulmão, sentiu-se mal, com falta de ar, e precisou ser removido de sua casa para o hospital, especializado em doenças pulmonares.
Considerado o maior pintor brasileiro vivo, Iberê não deve mais receber radiações para o tumor no cérebro. "Já foi feito tudo que era possível fazer", disse o médico que o trata, José Moreira.
Segundo ele, o estado de saúde de Iberê "é muito sério". Moreira disse que "no momento" não dá para afirmar se o tumor no pulmão, que sofreu radiações e regrediu, voltou a se manifestar. O pintor faria exames e receberia tratamento clínico.
Na terça-feira da semana passada, Iberê concluiu seu mais recente quadro, "Solidão", um óleo sobre tela, de 2m x 4m. Após o esforço para terminar a obra, ele se sentiu mal. De lá para cá, praticamente não saiu mais da cama.
Naquela terça-feira, Iberê convocou uma entrevista coletiva. Ansioso por dar seu depoimento sobre a arte, acabou concedendo-a, mesmo na cama, ao lado da mulher, Maria, e da filha, Gerci.
Centrou suas críticas nas pessoas (críticos, donos de galerias, marchands), que "monitoram" a arte e se declarou "independente".
Revelando falhas na memória e repetindo histórias, Iberê disse que a atual produção das artes plásticas brasileira "é só bugiganga", são poucos os artistas de verdade e a maioria não tem talento.
Ele disse que emoção e expressão são ingredientes fundamentais na arte. "Sempre faço as coisas com paixão. Nunca penso que amanhã vou fazer melhor. Esse (o trabalho do momento) é o absoluto", disse.
Iberê fez questão de dizer que não é contra a Bienal. "Não aceito o monitoramento. Os monitores são os zangões da arte. Muitas vezes fui retirado da exposição por não aceitar o monitoramento da crítica", disse.
Crítico da realidade brasileira, Iberê disse que o país "é lúdico, sempre quer o jogo, nunca a estrada real". Se tivesse que votar para presidente não escolheria nenhum dos concorrentes.
Perguntado se ainda teria condições de pintar, Iberê disse que "depende de Deus". E completou: "Engraçado como nessa hora a gente procura Deus".
Dizendo-se angustiado por causa da doença, o pintor revelou sua impressão sobre a morte: "A morte é terrível". Indagado sobre o sentido da vida, respondeu: "Não há resposta".
Iberê disse não saber se ganhará a batalha contra o câncer. "Se estou perto da morte, não sei. Se vou vencer, não sei".
Sobre seus quase 80 anos (ele faz aniversário em novembro), disse: "Trabalhei, trabalhei, quando levantei a cabeça, estava velho e doente".
"Solidão", o quadro terminado por Iberê na semana passada, mostra "figuras que vagam, andarilhos que se cruzam sem se relacionar". O pintor disse que a solidão tem a sua ironia própria.
Uma reunião de 37 gravuras e desenhos do artista, feitos nos últimos quatro anos, pode ser vista até dia 30 de setembro no Espaço Cultural Fiat (av. Paulista, 407, Paraíso), de segunda a sexta, das 12h às 20h.

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