São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Sobre os puxa-sacos

Sobre os puxa-sacos:
Conheci muita gente naqueles três anos e, fossem pessoas do litoral, da montanha ou da selva, todas pareciam farinha do mesmo saco. Eram, ou haviam sido, ou irremediavelmente seriam, senadores, deputados, vereadores, prefeitos, subprefeitos. Sua energia, habilidades, maquiavelismos e imaginação estavam concentrados numa única meta: adquirir, conservar ou recuperar uma partícula de poder pelos meios lícitos ou ilícitos a seu alcance.
Todos praticavam a filosofia moral sintetizada no seguinte preceito: 'Viver fora do orçamento do Estado é viver no erro'. Todos tinham uma pequena corte ou séquito de parentes, amigos e protegidos que apresentavam como dirigentes populares –dos professores, dos camponeses, dos trabalhadores, dos técnicos– e instalavam nos comitês que presidiam. Todos tinham mudado de ideologia e de partido como quem muda de camisa e todos haviam sido ou seriam em algum momento apristas, populistas e comunistas (as três principais forças distribuidoras de sinecuras da história do Peru). Estavam sempre por ali, à minha espera, nas estradas, estações e aeroportos, com ramos de flores e bandas de músicas e saquinhos de ervas da sorte, e seus braços eram sempre os primeiros que me estreitavam quando eu chegava a qualquer lugar, com o mesmo amor com que haviam abraçado o general Velasco, Belaunde, Barrantes ou Alan García, e sempre davam um jeitinho de ficar a meu lado nos palanques, de microfone na mão, fazendo o papel de apresentadores e patrocinando os comícios.

(Extraído de "Peixe na Água", que será lançado em novembro. Tradução de Heloisa Jahn)

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