São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Fantasminha Camarada

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Uma ruidosa briga agita a Esplanada dos Ministérios, provocada pelos salários dos funcionários públicos –até rumores de demissão frequentaram ontem as especulações de bastidores.
Mas um documento oficial obtido pela Folha mostra que o governo não sabe sequer algo elementar: se o dinheiro da folha de pagamentos cai integralmente nas mãos dos funcionários. Ou até onde são feitos desembolsos irregulares.
Através de uma auditoria da Secretaria de Administração Federal (SAF), descobriu-se que pelo menos 3 mil pessoas tiveram acesso clandestino aos computadores que determinam a folha de pagamento. Dois funcionários servidores, por exemplo, receberam depósitos de mais de R$ 80 mil num único mês.
Entre outros truques, usavam-se as senhas secretas de cadastradores oficiais já mortos. Onze meses depois de morrer, Maria A. Souza ainda tinha sua senha percorrendo os computadores, realizando depósitos.
Descobriu-se mais: a senha de Cantídio de Carvalho, também morto, era utilizada dentro do próprio Serpro –nada menos que a central de todo o sistema de computação do governo federal.
Um dos cadastradores fantasmas chegou a se registrar com o insólito apelido de "fantasminha camarada". Seu CPF: 999999999-99. E por aí vai.
Não se está, aqui, falando de pouco dinheiro. Há no Brasil cerca de um milhão de funcionários da administração direta, autarquias e fundações –a auditoria registrou-se a essa amostragem. Gastam-se por mês mais de R$ 600 milhões.
Apesar dos sinceros esforços da SAF, de onde partiu a idéia da auditoria e de uma série de projetos para melhorar a fiscalização, um fato é inegável –a taxa de desperdício é gigantesca.
É um tema esquecido pelas autoridades neste debate sobre o reajuste dos servidores. Drenam-se mais recursos, mas, ao mesmo tempo, não se sabe se serão usados com rigor. Pior: transbordam suspeitas de que uma melhoria nos sistemas de fiscalização evitaria desperdícios.
E a conta não precisaria acabar como sempre no bolso do contribuinte. Até ontem nenhum dos cadastradores "fantasminhas camaradas" foi punido ou sequer processado.

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