São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Itamar emparedado

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A irritação que o presidente Itamar Franco extravasou domingo genericamente contra a equipe econômica dirige-se, na verdade, a apenas uma parte dela. A parte mais "fernandohenriquista" do que "ricuperista", para ser algo mais preciso.
Uma irritação que é, ao mesmo tempo, político-eleitoral e também administrativa. Na questão político-eleitoral, o presidente tem queixas a respeito de alguns dos nomes que chegaram ao governo pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e tomam, agora, atitudes que, na visão do presidente, se apropriam de uma candidatura da qual ele se acredita o inventor ou, ao menos, o principal responsável.
Na área administrativa, o presidente tem em mãos estudo que indica que a União gastou, em 1993, algo em torno de US$ 11 bilhões com o funcionalismo e exatamente o triplo (US$ 33 bilhões) com os juros de suas dívidas. É verdade que uma coisa não tem nada a ver diretamente com a outra. Mas Itamar, com sua antiga obsessão contra os juros altos, se sente incomodado com essa desproporção.
Aumenta a irritação do presidente o fato de sentir-se virtualmente emparedado. Gostaria, no limite, de romper com pelo menos parte da equipe econômica, mas sabe que o rompimento poderia ser mortal para o Plano Real e, por extensão, para a candidatura FHC.
E FHC ainda é o seu candidato, até por absoluta falta de qualquer outra saída eleitoral.
O presidente tem se queixado também de que essa fatia "fernandohenriquista" da equipe invade território que considera sagrado, o da autoridade presidencial. Foi o caso, por exemplo, do anúncio do "xerife" dos preços, Milton Dallari, de que os reajustes salariais poderiam ser repassados para os preços. Se pode ou não, não interessa. O que conta é que esse tipo de decisão pertence, na opinião do presidente, a outro nível hierárquico.
Ante esse estado de espírito, que ninguém se surpreenda se Itamar der, mais adiante, alguma demonstração, mesmo simbólica, de distanciamento (sempre relativo) em relação à candidatura governista. Pode parecer estranho, mas nada soa mais estranho do que o chefe de governo insinuar que há gente do governo mentindo.

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