São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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Justiça

ORESTES QUÉRCIA

Só o tema Quércia põe de mãos dadas o arauto do golpe de 64, um partido jurássico e fiscais da lei
Sou, de longe, o político mais investigado da história do Brasil. Nem Adhemar, nem Juscelino e Jânio com os IPMs e CGIs sofreram uma fração do que é a campanha "Delenda Quércia" pela via penal. Maluf, que sempre se refere ao atestado de idoneidade que recebeu, nem sequer chegou perto, pois só enfrentou ações populares, em que não há o peso do aparelho estatal a perseguir seu alvo e as consequências são meramente patrimoniais.
Há tempos é sabido que chegou a circular um "paper" para discussão em reunião fechada do PT, sobre a conveniência de "instrumentalizar o Ministério Público", técnica em que se especializaram alguns parlamentares daquele partido.
O funcionamento dessa máquina é simples: procura-se qualquer notícia de jornal sobre irregularidade administrativa em qualquer escalão da gestão do adversário e faz-se uma "representação" ao Ministério Público. Ali, seja pela "infiltração" (que não sou o único a apontar), seja por simpatias e antipatias, seja por ânsia de promoção –pois o nome de quem deflagra procedimento contra uma figura de expressão é sempre veiculado–, dá-se início a uma investigação que é prontamente passada à imprensa.
Não há dúvida de que a instauração de um procedimento contra um ex-mandatário, ainda mais se movida por instituição tida por séria e isenta, é um fato político que merece o registro até mesmo da fatia mais imparcial da imprensa, para não falar na que representa os setores mais podres da sociedade.
Assim, via Ministério Público, o político autor da representação obtém da mídia um efeito duplo: numa ponta, mantém "aquecido" seu próprio nome, com a imagem de operoso, ativo, trabalhador e soldado da moralização e do fim das bandalheiras; noutra ponta, denigre e desgasta a imagem de um opositor com capacidade de tirar votos de seu partido.
Tanto se trata de uma tática estudada, que há entre os políticos petistas alguns que são campeões da quantidade de "representações" contra adversários e com isso conseguem ser lembrados, graças a sua presença frequente nos noticiários.
Idêntico proveito ganham os promotores e procuradores que se assenhoreiam desses casos, tanto que alguns dentre eles bandearam do fórum para o horário eleitoral gratuito, como candidatos a cargos eletivos, enquanto outros se valem do prestígio público para galgar posições na própria carreira.
O esquema, como tudo na vida, tem suas limitações. A primeira delas é a dificuldade de formar um foco comum partindo do tripé PT-MP-imprensa, dadas as naturais divergências de interesses entre os membros de cada instituição. Mas esse estorvo se contorna se o alvo for bem escolhido.
Todos sabem que sou das raras figuras públicas com o dom de atrair sobre si essa comunhão –mesmo que transitória– de interesses, pela minha mensagem e pelo meio de transmiti-la: tenho uma proposta nitidamente popular, que sei expor diretamente para as camadas mais carentes (e, portanto, mais expressivas numericamente) da população.
Isso, de um lado, horroriza as elites carcomidas, trazendo para o jogo seus porta-vozes; de outro lado, afronta o PT, que se julga dono e senhor dos votos dos trabalhadores e quer impedir que outra voz se faça ouvir; e, sob um terceiro ângulo, me dá uma dimensão capaz de despertar o apetite de quem quer se promover. Só o tema Quércia põe de mãos dadas o arauto do golpe militar de 64, um partido de esquerda jurássica e fiscais da lei.
Esquema perfeito? Não, pois sua segunda limitação tem-se mostrado intransponível. É que os inquéritos, por mais que tudo se faça para eternizá-los, corroendo a fogo brando a reputação do inimigo, um dia têm que ter fim, o que ocorre com sua remessa à Justiça. E, na Justiça, essas mentiras não passam.
No último dia 6, o Superior Tribunal de Justiça deu uma vigorosa demonstração da seriedade e independência do Poder Judiciário, mostrando como decidir aplicando o Direito a cada caso, sem dar atenção à movimentação partidária e sem medo "do que vão dizer". Mostrou, aliás, que esse medo é vão, pois o respeito a uma corte só cresce, quando ela sabe se colocar na altitude de sua posição, acima de paixões e interesses.
Dificilmente alguém atrairia mais influências negativas do que eu, no último dia 5. Mas os membros da corte especial do STJ, no recesso de seus gabinetes, analisaram a acusação e os argumentos da defesa e redigiram seus votos isoladamente, sem conspirações ou aquiescências.
Deixaram claro ao país que não estão lá para prestar vassalagem ao presidente da República que os nomeou, ou a quem possa ter avalizado sua indicação. Não se perturbaram sequer com a mais torpe forma de pressão, consistente em afirmar publicamente que a decisão seria em certo sentido, acendendo expectativas, para criar frustração caso o "vaticinio" ou a "plantação" da "fonte idônea" não se confirmasse.
Contrariando os desejos de muitos, eu fui julgado à luz do Direito sobre os autos. Essa é a Justiça do Brasil, na qual eu sempre confiei. Por ela as maquinações não passam.

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