São Paulo, terça-feira, 9 de agosto de 1994
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A universidade precisa criar riqueza

ISAIAS RAW

Nos institutos, comonas universidades, adiscussão termina comsimples aumento salarial
Tendo sido nominalmente citado pela professora Marilena Chaui, em artigo publicado nesta Folha ("Universidade e iniciativa privada") em 29/07, gostaria de continuar a discutir a universidade, palco recente de mais uma luta por salários que sempre termina sem se discutir o essencial –a responsabilidade da universidade frente a sociedade que a mantém.
Um dos meus "pecados" que, durante o regime militar, me excluiu da universidade e do país foi tentar integrar a Faculdade de Medicina no campus, participando dos Institutos Básicos. Vejo a velha guarda da "Maria Antonia" num revisionismo anacrônico voltar a pensar numa universidade desligada das chamadas "escolas profissionais".
Foi a integração dessas escolas que realmente criou a Universidade de São Paulo, que era então uma "ecole normale supérieure", que formava professores secundários, uma frouxa associação de departamentos, localizados em pontos diferentes da cidade.
A importante convivência da universidade como um todo, presente em todas as importantes universidades do Primeiro Mundo, está longe de ser implementada em São Paulo.
As Faculdades de Medicina e Direito e os campi do interior estão ligados apenas pelo cordão umbilical econômico-administrativo. A Unesp (Universidade Estadual Paulista) repete a mesma colcha de retalhos, que a cada ano absorve mais uma escola privada ou municipal inadimplente economicamente e frequentemente como instituição de nível universitário.
À frente da Funbec (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências) e batalhando pela inovação do ensino de ciências, convivi com Fernando Azevedo e Anísio Teixeira, que trouxeram para a USP a responsabilidade de atuar na melhoria da educação fundamental. O correspondente a isso são as escolas profissionais contribuírem para o desenvolvimento tecnológico e a criação de empregos que, sem a demagogia eleitoreira, é a única forma de tirar milhões da miséria.
É ingenuidade imaginar que podemos redistribuir riqueza –a redistribuição simples nos levaria ao empobrecimento geral. O que temos é que criar riqueza e cumpre à universidade contribuir para isso, desenvolvendo tecnologia e transferindo-a ao setor privado.
Vivi anos na Harvard e no MIT (Massachusetts Institute of Tecnology). A primeira é chamada de universidade, e o segundo de Instituto de Tecnologia, mas em nada diferem.
O MIT tem hoje o maior número de prêmios Nobel, e de suas investigações (muitas com as moscas da fruteira ou levedo do pão, como no velho Departamento de Biologia na alameda Glete, onde me iniciei na pesquisa) estão saindo fundamentais avanços para entender e tratar o câncer. São seus professores que assessoram empresas (ou abandonam o MIT para criá-las) que construíram a gigantesca indústria norte-americana.
A universidade pode e deve continuar a ter filósofos, linguistas, historiadores e cientistas, mas deve ter parte dos cientistas voltados à tecnologia procurando solucionar problemas da nossa sociedade, onde o maior é produzir um salto tecnológico com geração de empregos.
Da mesma forma deve ter educadores preocupados em melhorar o ensino público, e adequá-lo à realidade e à demanda da sociedade em vez de pactuar com o faz-de-conta do ensino privado de faculdades da esquina.
Em vez de criar cursinhos para em meses inculcar informações que não corrigem a falta de formação, poderia criar novos tipos de cursos e mesmo transformar seus cursos atuais, onde alunos passam os dias sentados em carteiras ouvindo a erudição de seus mestres, para que apreendam a aprender (dos livros e revistas) processo que, ao contrário dos "créditos", tem efeito douradouro.
O desenvolvimento científico-tecnológico da universidade não pode terminar só numa publicação ou num relatório nos arquivos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) ou Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). É preciso entender que falta muito mais, exatamente o que torna o projeto transferível e aplicável.
Na atual conjuntura nacional, a universidade não deve deter para si o uso da tecnologia, tendo enormes hospitais ou fábricas, que ultrapassam a finalidade de ensino e pesquisa.
Para cumprir seu papel a universidade deve, ao contrário do que diz a professora Chaui, servir ao usuário, pois o usuário é a sociedade, pobres ou ricos, empregados ou empregadores. Isto não a torna menos digna do que investigar história medieval.
Os institutos de pesquisas, que deveriam ser integrados com as universidades, apenas diferem por ter um foco de ação, definido pela Secretaria de Estado a que estão ligados.
Não podem realizar seus objetivos sem integração com a empresa, seja o próprio instituto que produz vacinas e soros como o caso do Butantan, seja a agroindústria no caso do Agronômico.
Essa missão só pode ser bem cumprida pela convivência, como nas universidades, da pesquisa básica e aplicada, convivência que vem sendo destruída pelo desnível salarial dos seus pesquisadores e por anos de abandono que levaram a sua decadência. Todavia, como nas universidades, a discussão sempre acaba com um simples aumento de salários...

A Folha realiza hoje, as 19h30, no auditório do jornal, o debate "As Prioridades do Sistema Universitário Brasileiro", com entrada livre.

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