São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Folha – O senhor adotará medidas que preparem a transição para o novo presidente?

VALDO CRUZ; INÁCIO MUZZI ; SÔNIA MOSSRI

Rubens Ricupero – Isso é uma idéia, que eu venho pensando há algum tempo e estou decidido a levar avante. Eu acho fundamental adiantar o cronograma do próximo presidente. Hoje em dia, o que for preciso fazer em termos de mudança constitucional vai ter que ser feito por emendas que têm prazos muito longos. E mesmo para o resto, que não exige mudanças na Constituição, o novo presidente vai precisar de projetos prontos. Se o presidente que entrar for esperar para organizar o seu segundo e terceiro escalões, antes de ter projeto, ele vai demorar um ano.
Folha – Para quando é isto?
Ricupero – Seja lá quem for o novo presidente, é nosso dever deixar aqui pronto um programa de verdade, que possa seguir para o Congresso. Eu acho até melhor já antecipar, entre outubro e dezembro. Em outubro, o Congresso já está renovado. O problema é que o novo presidente não tem muito tempo. Em 96, ele não vai ter o Fundo Social de Emergência, nem o IPMF, que já acaba em 94. Você tem que correr porque antes de entrar, o sujeito já tem que saber como ele vai equilibrar o Orçamento a partir de 96. Eu acho que a eleição pode ser o catalizador. Pode dar uma maioria clara a um candidato.
Folha – Hoje ninguém tem maioria dentro do Congresso.
Ricupero – Eu tenho dito sempre -eu sei que as pessoas, quando digo isso, dizem que estou fazendo campanha para o Fernando Henrique-, mas é uma questão lógica. Você tem que ter um candidato com uma agenda e um programa, mas tem que ter uma aliança. O regime brasileiro é quase parlamentarista. Se você não tiver maioria no Parlamento, não vai adiantar. Você tem que eleger, no fundo, um candidato e uma aliança. Esta aliança tem que ter um programa. Acho que depois do primeiro turno, se eu fosse político, tentaria armar um programa legislativo
Folha – O que seria esse programa legislativo?
Ricupero – Por exemplo, os partidos que fazem parte da aliança deveriam saber como vão reformar a Previdência, o sistema de saúde e como cuidar dos impostos. Num regime parlamentar, quando o presidente pede o voto de confiança do Parlamento, ele já traz um programa legislativo. Eu pretendo fazer isso na minha área. Vou começar com a parte de tributos.
Folha – O senhor já tem estudos sobre isto?
Ricupero – Eu estou começando as conversas. Vou começar naquilo que acho que é o centro da crise financeira, que é o problema tributário. Eu pretendo abordar também algumas outras coisas, como o sistema financeiro.
Folha – O senhor tem idéia de qual será a linha-mestra desta reforma tributária?
Ricupero – Sobre conteúdo, eu não tenho nada porque eu quero discutir isso. Uma outra área que estou querendo retomar é a desregulamentação. Na parte de trabalho, acho que deveria haver mais espaço para a negociação e não a imposição por lei. O Brasil imitou os modelos latinos que, para proteger o trabalhador, tudo é previsto em Constituição. Em vez de proteger o trabalhador, prejudica. Como os custos sobem muito, há um estímulo à ilegalidade, informalidade, terceirização. Os encargos sociais são outro problema.
Folha – Como a mudança deve ocorrer?
Ricupero – Nós temos que construir um outro projeto nacional. A única crítica ao Plano Real que me parece de fato correta é exatamente essa, de que o plano, a curto prazo, tudo bem. Mas a médio e longo prazos não ataca as questões estruturais. Esssa crítica tem procedência. A dificuldade é que esse é um governo que tem menos de cinco meses pela frente. Eu acho que se tem que trabalhar como se tivéssemos muito tempo. Esses problemas terão que ser atacados pelos candidatos. É claro que se for o Lula, o ângulo de visão terá que ser diferente.
Folha – O que o senhor quer dizer com "diferente"?
Ricupero – Diferente talvez do que seria do Fernando Henrique. Não sei se do meu, porque eu não conheço o pensamento do PT sobre a questão da Previdência.
Folha – O presidente Itamar tem o desejo de terminar o governo anunciando um salário mínimo de US$ 90,00. O valor atual é de US$ 70,00. O senhor acha isso possível?
Ricupero – O salário está um pouco mais que US$ 70,00. Em dólar, se aproxima. É só o Gustavo Franco (diretor de Assuntos Internacionais do BC) fazer cair mais o câmbio, que a gente realiza o sonho do presidente (rindo).
Folha – O que pode ser feito até o fim do ano?
Ricupero – O problema do salário mínimo só pode ser resolvido satisfatoriamente se você desvinculá-lo do piso da Previdência e se você tiver um solução regionalizada. Não há como fazer essa mágica de chegar aos US$ 90 ou US$ 100 com o sistema atual. Não há como financiar o déficit da Previdência se não desvincular as coisas.
Folha – Se o senhor fosse convidado por FHC, caso ele ganhe as eleições, o senhor aceitaria permanecer no cargo?
Ricupero – Olha, eu nunca cogitei desse tipo de hipótese. Quando eu fui convidado, foi pelo presidente Itamar. Apesar do que dizem, que eu ameacei me demitir, não é verdade. Se eu alguma vez pensei nisso, só Deus vai saber.
Folha – O que o senhor fará em relação ao consumidor?
Ricupero – Quero estimular grupos de consumidores que possam ser ajudados pela Sunab, BB e CEF. Uma coisa que me preocupa muito são os serviços. Nessas inflações, o grande problema é serviço médico, dentista, cabelereiro. O único jeito de resolver é por uma idéia petista. Meu filho, que é simpatizante do PT, sempre diz que a idéia do PT é a sociedade se organizar. Eu estou querendo fazer um concurso para premiar iniciativas em defesa do consumidor.
Folha – Os adversários de FHC acusam o governo de usar o câmbio como instrumento para ajudar na eleição do candidato. Como o senhor vê isto?
Ricupero – Não é verdade. A política de câmbio não pode ser criticada em bases concretas e técnicas. O BC não está intervindo, manipulando o câmbio. A relação do real com o dólar ainda não encontrou o ponto de equilíbrio.
Folha – O senhor se preocupa com aumento do consumo?
Ricupero – Eu ainda não estou persuadido de que haja uma explosão de consumo. O que está acontecendo é um aumento muito grande do consumo pelas camadas mais pobres. Aí, o grande erro da CUT e do PT. Eles não perceberam que o eleitorado deles é o primeiro a sentir no bolso a diferença.

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