São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Professor vê consenso de Washington ou barbárie

'O desafio ao consenso levará o país à crise'

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Se o próximo presidente da República não seguir a estratégia de ajuste econômico recomendada pelo chamado Consenso de Washington, vai jogar o Brasil na rota da barbárie, provocando uma crise com consequências imprevisíveis.
O diagnóstico, no qual está embutida a idéia de que ou o país se adequa ao consenso ou ficará à margem do capitalismo, é do economista John Williamson, do Institute of International Economics, de Washington, uma espécie de celeiro ideológico afinado com o governo norte-americano.
Williamson participou na semana passada do seminário "O Brasil e o Novo Cenário Internacional", promovido pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e organizado pelo ex-ministro da Fazenda de Fernando Collor, Marcílio Marques Moreira.
"O Fernando Henrique aceita o Consenso de Washington?", perguntou Williamson. "Eu acho que sim e espero que ele aceite. Também espero que o Lula aceite. Porque, se o próximo presidente tentar desafiar esse consenso, vai chegar em breve numa crise como a Venezuela chegou", respondeu o próprio Williamson.
A Venezuela, que no ano passado passou por duas tentativas frustradas de golpe de Estado, vive hoje um clima de instabilidade política e crise econômica, com evasão de divisas, inflação alta, recessão e quebradeira do sistema financeiro. O Banco Latino, o segundo maior do país, faliu há poucos meses.
Os empresários venezuelanos acusam o presidente, Rafael Caldera, de prática populista, sobretudo no que se refere aos subsídios estatais ao petróleo, que estariam em choque com a política defendida pelo Consenso de Washington.
"É muito importante que não se tente desafiar essas realidades", disse Williamson, logo depois de fazer alusão ao caso venezuelano.
A eloquência da colocação não deixou dúvidas sobre o caráter pragmático que norteia a atuação de Williamson e seus pares.
Essa vocação pragmática levou Williamson a fazer uma espécie de reparo terminológico em tom de mea culpa. Seria melhor, disse, ter reunido as teses que compõem o consenso sob uma expressão do tipo "convergência universal".
Assim, explicou, talvez fosse mais fácil dissipar a desconfiança dos países periféricos em relação às idéias que sustenta.
Williamson não esteve só na tarefa de defender a plataforma do consenso. Ao abrir o seminário, Marcílio enfatizou a necessidade de se iniciar a "desdemonização" do Consenso de Washington, que, segundo ele, teria sido deturpado ao ser incorporado pela grande imprensa local, especificamente a Folha, que desde o início de julho debate o tema sistematicamente.
"No Brasil, ele (o consenso) ainda é considerado uma fórmula fria concebida nos gabinetes de Washington para forçar as economias latino-americanas a qualquer custo social a se ajustarem a uma espécie de parâmetro pré-estabelecido", disse Marcílio.
O próprio Williamson, num esforço de "desdemonização" da própria cria, salientou que o consenso contempla uma "agenda social". Referia-se a políticas compensatórias que amenizem o impacto de medidas recessivas sobre países como o Brasil, que já convivem com alta taxa de miséria.
O público presente ao seminário foi privado de qualquer contraponto às idéias do economista de Washington. A ausência de adversários do consenso impediu o debate. O cientista político Francisco Weffort, do PT, e o economista Celso Furtado, confirmados para o evento, não compareceram.
No lugar deles, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, da USP, e a cientista política Leila Frischtak, consultora do Banco Mundial no Brasil, engrossaram o samba de uma nota só, abertamente favorável às teses do consenso.
Os ataques mais duros aos críticos de Williamson ficaram por conta de Giannetti. "O que o chamado Consenso de Washington fez foi simplesmente listar aquilo que qualquer economista sério acredita que seja necessário para uma economia instável e estagnada encontrar um caminho de crescimento com estabilidade", disse.
Na avaliação de Giannetti, a "velha esquerda brasileira vendeu uma imagem do consenso como sendo uma espécie de imperialismo neocolonialista porque padece da cultura da culpa".
Essa cultura, disse Giannetti, projeta sobre os países desenvolvidos a culpa sobre a miséria dos países periféricos, deixando de lado os erros e omissões de cada nação, que assim estaria isenta de qualquer responsabilidade sobre seu fracasso histórico.
O êxito econômico da Alemanha e do Japão no pós-guerra, exemplificou Giannetti, desmontam essa idéia arraigada nas esquerdas ressentidas. "Será que a riqueza alemã ou japonesa se explicam pela pobreza de alguém?", perguntou o economista.
"Será que a miséria absoluta da África está enchendo os cofres de algum país avançado?", provocou mais uma vez, arrancando risos de assentimento de John Williamson.

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