São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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O Real, a eleição do presidente e o neoliberalismo

LUIZ PINGUELLI ROSA

Enquanto na França é publicada uma pesquisa de Bernard Brunhes Consultants, analisando o desemprego que põe em xeque o neoliberalismo na Europa, Alain Touraine na Folha defende o neoliberalismo para o Brasil. O debate é sobre Lula, herdeiro da social-democracia antes professada pelo PSDB, e Fernando Henrique, agora alinhado com neoliberais e conservadores.
Para Bresser Pereira, Lula quer mudar a sociedade e FHC quer mudar o Estado e não a sociedade. O quadro social é de desemprego, miséria, fome, violência, corrupção. Se FHC não pode mudar nada disso, vai mudar o Estado para que e para quem? Collor, desmontou o Estado para manter tudo como estava na sociedade.
Bresser, na defensiva, nega que os objetivos de FHC na economia sejam os do neoliberalismo e do Consenso de Washington. Logo, reconhece que não são bons para o Brasil. Mas a equipe econômica de FHC aplica aqui a receita neoliberal que levou a Argentina a fixar sua moeda ao dólar, à custa do desemprego e fim de indústrias.
O Plano Real deve ser elogiado no objetivo de estabilizar a moeda. A dúvida é se vai mantê-la, após as eleições, e a que custo para a sociedade. Os preços subiram na virada para a nova moeda, enquanto os salários foram convertidos pela URV anterior. Com os preços lá em cima pode haver uma ligeira deflação, como na velha artimanha do comércio de marcar preços altos e dar um pequeno desconto depois.
A percepção disso é de alívio momentâneo, mas a inflação oficial de julho foi 6% sem correção salarial. O problema é que os salários da maioria ficaram muito em baixo e será pressionada sua elevação. O plano não leva isto em conta.
Os preços e tarifas públicos ficaram também abaixo do que o próprio governo previa na recuperação deles. Inviabilizam financeiramente empresas estatais para privatizá-las com baixo valor, o que o presidente Itamar não queria fazer. Isto pode acontecer com a Light e a Escelsa.
A avaliação econômico-financeira desta, feita pela consultora contratada pelo BNDES, contém erros crassos: confunde o símbolo de megawatt com o de miliwatt, há nomes de usinas trocadas e potências nominais discrepantes, está subestimada a receita. Depois as tarifas subirão como na Argentina, como mostram estudos da Coppe e da Fundação Bariloche.
Enquanto isso há uma transferência de renda do setor público. Grupos privados desfrutam de energia com tarifas abaixo da paga pelos consumidores comuns.
Outra bomba de efeito retardado é a compressão dos recursos da União, sem Orçamento até hoje por culpa da equipe econômica, para educação, saúde, ciência e tecnologia etc.
O CNPq já corre o risco de não pagar as bolsas de estudantes. Foi proibida a participação de professores de universidades federais em conferências internacionais. Fecham o país ao intercâmbio científico e tecnológico enquanto falam em abrí-lo aos interesses econômicos mundiais. Sinais do estopim estão nos salários do funcionalismo, opondo Itamar a Ricupero.
Isto não deve levar à pura condenação do real, mas sim à necessária correção do plano econômico, para a estabilização não ser apenas momentânea nem recessiva.
A mídia, aproveitando o efeito momentâneo do Plano Real, tem promovido FHC, apoiado pelo governo. A propaganda oficial do real é usada para FHC. Ministros em discursos oficiais pedem votos para FHC.
Até a vitória na Copa do Mundo foi usada eleitoralmente, chegando-se ao exagero nos pontos facultativos e na liberação da bagagem da comitiva.
Criticou-se o moralismo do PT, que teria caído na própria armadilha no caso do senador Bisol do PSB, ex-vice de Lula substituído pelo deputado Aloizio Mercadante.
Entretanto, houve certa complacência da mídia com as acusações ao ex-vice de FHC, de ter beneficiado uma empreiteira no Orçamento, divulgadas na Folha.
Afinal, o PFL, já como aliado de FHC e tendo seu novo vice Marco Maciel como um dos seus líderes mais influentes, promoveu uma manobra para livrar seus vários parlamentares acusados de corrupção no Orçamento.

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