São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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'Ainda não sei o que aconteceu com Raí'

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

O ex-"burro" e atual campeão do mundo Carlos Alberto Gomes Parreira, 51, jura de pés juntos não guardar ressentimento das críticas que recebeu antes e durante a Copa do Mundo dos EUA.
Mas quando fala de seu trabalho na seleção brasileira, Parreira não consegue esconder a mágoa. Na véspera de embarcar para a Espanha, onde atualmente dirige o Valencia, o técnico do tetra concedeu entrevista à Folha em sua casa na Barra da Tijuca, no Rio.

Folha - Você rezou muito durante a Copa?
Carlos Alberto Parreira - Não sou de ir à igreja no domingo. Eu era São Judas Tadeu, mas virei a casaca. Minha mulher, Leila, adora Santo Antônio e conseguiu me levar até Pádua, onde estão os restos mortais do santo. Compramos lá um santinho que eu usei no bolso em todos os jogos da Copa e só.
Folha - Que tipo de conversa o Zagalo e você tiveram com o Romário quando ele, finalmente, foi convocado?
Parreira - Conversamos com o Romário em Paris, quando a seleção jogou contra o Paris Saint-Germain. Dissemos a ele: "Romário, o importante agora é a sua cabeça". Ele falou: "Professor, olha, eu quero colaborar, quero ser campeão do mundo, vou ter muito cuidado porque me provocam muito e deturpam as coisas que falo". Daí, eu disse: "Então é só ter cuidado com as coisas que você fala". A conversa foi a mais amistosa possível.
Folha - Não teve problema nem quando ele veio com aquela frescura de viajar na janelinha?
Parreira - Aquilo não foi coisa do Romário, foi o pessoal da Varig que colocou nomes nas poltronas para tirar fotos. As pessoas aumentam. Era um avião DC-10, de 200 lugares, para 60 pessoas. Quer dizer... Em nenhum momento o Romário foi vedete. Quando o Maradona vai à Copa, leva psicólogo, dietista, mulher, filhos, tudo dentro da concentração. O Romário foi um jogador querido dos colegas, nunca exigiu privilégios.
Folha - O que é que você e o Muller falaram naquela famosa conversa que a TV mostrou durante o jogo contra os EUA?
Parreira - Só conversamos sobre a entrada do Cafu. Não teve briga nenhuma. O Muller teve um comportamento exemplar na Copa.
Folha - Aqueles aparelhos que você trouxe dos EUA, computador etc., são para fazer esse planejamento?
Parreira - Não, o computador é para a minha filha que está se formando em comunicações e a TV é para a família toda.
Folha - Você concorda com o Romário quando ele diz que o Osiris só quis aparecer com a história da alfândega?
Parreira - O Osiris se aproveitou para sair do governo por cima.
Folha - O episódio da alfândega tirou o brilho da chegada?
Parreira - Não deveria ter ganhado a proporção que ganhou. Ninguém é muambeiro e se aproveitaram do momento para denegrir uma conquista.
Folha - O que você acha da atuação de Ricardo Teixeira como presidente da CBF?
Parreira - Só tenho motivos para defendê-lo. O Ricardo Teixeira nunca interferiu no meu trabalho. Na Copa, então, foi impressionante. Durante 60 dias, ele foi incapaz de perguntar: Parreira, qual é o time que vai jogar? Se fosse eu, teria perguntado. Nas eliminatórias, quando todo mundo queria a cabeça do Parreira, ele falou: "Vamos até o fim juntos". Ele deu tudo que foi pedido. Colocou até avião à disposição.
Folha - Você também tomou porre para comemorar o tetra?
Parreira - Não, tomei só dois copos de Budweiser (uma cerveja).
Folha - Você tem contrato com a Brahma?
Parreira - Não. Tenho um compromisso com eles. Por causa da Coca-Cola, não pude assinar com a Brahma. Mas colaborei muito com eles. Por exemplo, ajudei a intermediar as gratificações dadas aos preparadores físicos. A Nike também quis assinar comigo, mas não deu. Agora, eu poderia fazer, mas não há mais interesse.
Folha - Às vésperas da final, Telê Santana escreveu um artigo na Folha, dizendo que se o Brasil ganhasse a Copa, seria mérito dos jogadores, não da comissão técnica. Isso chateou você?
Parreira - Sempre me dei bem com o Telê. No mundo árabe, quando nos encontrávamos, jogávamos tênis... Em 1998, podem me cobrar. Eu não vou aceitar nenhum convite para ser comentarista. Acho falta de ética um companheiro criticar o trabalho do outro. Dizer que o time ganhou por méritos individuais só depõe contra ele. Ninguém teve uma seleção tão boa quanto Telê e não ganhou. Teve um cara que escreveu um artigo dizendo o seguinte: vocês querem falar do Parreira, então vamos definir que time é esse. Essa seleção do Parreira é composta de jogadores fora-de-série, Pelés, Falcões, Zicos? Se vocês acham que é, o Parreira foi um mero coadjuvante. Mas, se acham que não é, todo o mérito é do Parreira.
Folha - Conquistar o tetra por pênaltis foi um anticlímax?
Parreira - E quando o time foi aos pênaltis e perdeu? O pênalti foi um acidente em uma competição que o Brasil mereceu ganhar.
Folha - O Raí me disse que, na opinião dele, as regras deveriam mudar. O que você acha?
Parreira - Concordo que elas têm que ser aperfeiçoadas, mas não tão rapidamente quanto o vôlei, o basquete. O jogo ficou mais difícil, a velocidade aumentou, os espaços diminuíram. Daí a polêmica com a seleção do Parreira. Tem gente que ainda sonha com o futebol húngaro de 1954, em que o jogo era quase caminhado.
Folha - Você se arrepende de ter apostado tanto no Raí?
Parreira - Ainda não sei o que aconteceu com o Raí. Não sei se foi psicológico ou se ele pensou: já me realizei, agora vou para a França. Como eu acreditava que ele é o último remanescente daquela estirpe de camisas 10, tipo Zico, apostei nele até o fim.
Folha - Os comentários de Pelé na Copa demonstraram que ele não entende muito de futebol. Você afirmou que, durante as exposições que fazia aos jogadores, o Romário mostrava ter bom conhecimento tático. Hoje, é possível ser um bom jogador e não entender de futebol?
Parreira - Não era só o Romário. O Ricardo Rocha, o Dunga... O Pelé foi privilegiado. Corria 100 metros em 11 segundos, saltava acima de dois metros e, além disso, tinha uma inteligência esportiva excepcional. Sem dúvida jogaria adaptado às exigências de hoje.
Folha - O que sentia quando era xingado de burro?
Parreira - Era para eu ter ficado abatido, mas criei forças interiores. Continuo afirmando: a população é uma caixa de ressonância sem opinião própria, reflete o que ouve. O cara vai ao Maracanã, está vendo o jogo, mas fica com o radinho de pilha na orelha. É importante que alguém diga a ele o que ele está vendo. Ele não tem condições de analisar, acha que o Flamengo está jogando bem porque o rádio está dizendo. Então, veja bem: eu não pedi para ser técnico da seleção. Eu estava lá quietinho no Bragantino. De repente, me convidaram. Então, eu dizia: é um cargo de competência e de confiança. Não dá para recusar. Cheguei na seleção, depois de 27 anos trabalhando e não ia ser esse pessoal que iria me derrubar.
Folha - Quem é esse pessoal? A socialite, o humorista e os roqueiros que você já mencionou em outra entrevista? Por acaso você se refere à Maria Lúcia Dahl, ao Jô Soares e aos Titãs Marcelo Fromer e Nando Reis?
Parreira - Socialites são todas. A Regina Marcondes Ferraz me abordou no camarote da Brahma. Pediu para eu botar três atacantes.
Folha - Mas não eram só eles. Nas eliminatórias, no jogo Brasil e Equador, eu estava lá e vi o estádio inteiro te vaiar.
Parreira - Virou moda vaiar. É uma coisa desagradável, mas você supera. O mesmo povo que vaiava, hoje está aplaudindo. O que a gente sentiu mesmo foi que essas pessoas de redação fabricaram mentiras, injustiças.
Folha - Como quando disseram que você insistiu em escalar o Paulo Sérgio porque ganharia comissão no passe dele?
Parreira - Isso fere, dói. Sou um homem independente há anos.
Folha - O que você achou quando até sua mãe, dona Geni, pediu para você mexer no time?
Parreira - Coitadinha, minha mãe tem 74 anos, é inocente. Perguntaram quem ela mais gostava na seleção e ela respondeu que era o Ronaldo. Foi só isso.
Folha - Durante a Copa, você recebia notícias do Brasil?
Parreira - Não. Decidimos que não entraria nenhum jornal, videoteipe, nada.
Folha - Você é teimoso?
Parreira - Não. Isso deu até briga com o pessoal da Golden Cross que gravou um comercial comigo. Eles queriam que eu dissesse: quando cismo com alguma coisa, não sei o que lá, sou teimoso. Não sou teimoso, sou insistente. Eu falei para eles: nem que vocês me paguem um milhão de dólares eu gravo um comercial dizendo isso.
Folha - O tetra consagrou o esquema do Lazaroni?
Parreira - Gosto do Lazaroni, mas esta seleção não tem nada a ver com a dele. Tem sete ou oito jogadores iguais, mas a maneira de jogar é diferente. O Lazaroni usou líbero, nós não.
Folha - No lugar do Arrigo Sacchi, você teria posto o Baggio machucado para bater pênalti?
Parreira - Aquilo foi simulação. Se ele não tivesse condições, não teria jogado. Nenhum treinador, em uma final de Copa, escalaria um jogador machucado.
Folha - Qual foi a sua maior frustração profissional?
Parreira - Foi na seleção dos Emirados, na classificação para a Copa de 86. Tínhamos de ganhar do Iraque por dois gols. O jogo estava 2 a 0, mas aos 46min do segundo tempo eles fizeram gol.
Folha - Dos sete anões da Branca de Neve, qual o seu preferido: Dunga ou Teimoso?
Parreira - O Dunga.

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