São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Charlie Haden revisita a Hollywwod dos anos 40

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aos 56 anos, ele continua radical na defesa da música como um instrumento criativo, desprezando o comercialismo barato que tem comandado o mercado musical.
Ausente há anos dos lançamentos nacionais, o contrabaixista e "jazzman" norte-americano Charlie Haden chega agora às lojas com "Always Say Goodbye" (Verve/Polygram), o novo álbum de seu Quartet West.
Com um currículo musical extenso e único, que inclui parcerias com Ornette Coleman, Keith Jarrett, Pat Metheny e Egberto Gismonti, Haden se alterna hoje na liderança de dois grupos.
Junto com o Quartet West, ele recria "standards" e o jazz "mainstream". À frente da Liberation Orchestra, mantém viva a chama do "free jazz", com um repertório de temas libertários de diversos cantos do mundo.
Estruturado como uma trilha sonora imaginária, "Always Say Goodbye" mistura temas de Charlie Parker, Bud Powell e Django Reinhard com trechos de gravações originais de Chet Baker, Duke Ellington e Coleman Hawkins.
Em entrevista exclusiva à Folha, durante o último Montreux Jazz Festival, Haden falou de seu novo álbum e de seus projetos atuais. Também criticou o mercado musical, que considera "voltado apenas para o dinheiro".

Folha - O que você tinha em mente ao produzir "Always Say Goodbye"?
Charlie Haden - Ele se liga aos três primeiros discos do Quartet West. A idéia era tocar música profunda, com belas melodias e harmonias. Para mim, também foi um modo de resgatar várias das minhas músicas favoritas, que fazem parte de minha discoteca.
Reproduzimos algumas gravações da época no disco, mas com muito respeito, sem tentar "samplear" ou "tocar" junto com elas. Para mim, isso seria um sacrilégio. Eu só quis mostrar algumas de minhas fontes de inspiração.
Folha - Há um toque de nostalgia nesse projeto?
Haden - Acho que sim. Há nostalgia e até um pouco de melancolia. Eu me inspirei em um determinado período histórico. Poderia ter sido o Renascimento, se eu fosse europeu. Eu quis que as pessoas se imaginassem em meados dos anos 40, assistindo a um grande filme de Hollywood ou indo a um bom "night club" ouvir Billie Holiday.
Folha - Como você explica as referências ao cinema?
Haden - Grandes compositores daquela época, como Victor Young, Johnny Green e Max Styner, trabalharam para a indústria do cinema e me inspiraram bastante, quase do mesmo modo que Humphrey Bogart, Veronica Lake, Lauren Bacall e outros atores do cinema. Só que essa inspiração é expressa no presente, sem a intenção de voltar ao passado.
Folha - Você, que viveu intensamente os explosivos anos 60, diria que as décadas de 70 e 80 foram menos criativas em termos da produção jazzística?
Haden - Enquanto existirem músicos que toquem com dedicação e tratem a música como arte, como uma forma de auto-expressão, ela jamais será inferior. No entanto, especialmente hoje, no mercado musical, é muito difícil conseguir que esse tipo de música seja ouvido ou gravado.
Quase tudo é orientado pelo dinheiro, pela vontade de se descobrir novos modos de se ganhar mais dinheiro. Há músicos de jazz por aí que tocam música na qual nem acreditam. Bandas como Spyro Gyra ou Yellowjackets tocam essa música comercial, a chamada "jazz fusion", apenas para atrair um público maior.
Folha - Você já participou de inúmeras parcerias. Qual delas foi a mais importante em termos musicais?
Haden - Sem dúvida, foi a associação com Ornette Coleman. Tocar com ele foi realmente especial. Com Ornette, eu aprendi a escutar. Ao lado dele, você realmente tem que ouvir as melodias, os intervalos e os improvisos. Naquele grupo não havia um piano. Assim, eu tinha que assumir a função do piano, tocando o contrabaixo. Foi uma experiência muito enriquecedora.
Há outras colaborações importantíssimas, como aquela com John Coltrane, que eu acompanhei por volta de 1960. O grupo com Keith Jarrett, Dewey Redman e Paul Motion também foi incrível. É difícil dizer, porque eu toquei com muita gente...
Folha - Em que projetos você está envolvido atualmente?
Haden - Já estou preparando o novo álbum do Quartet West, que sai em 95. E outro disco da Liberation Music Orchestra, que eu não sei ainda se sai no ano que vem ou em 96. Também vou fazer um álbum em duo com Pat Metheny e, espero, alguma coisa com Ornette Coleman.
Acabo de gravar um disco com o pianista Hank Jones, só com "spirituals". E, como acompanhante, tenho feito diversas gravações com músicos como Kenny Barron, Roy Haynes, Ginger Baker, Bill Frisell e Toots Thielemans. Também pretendo escrever um livro.
Folha - Sua biografia musical ou algo parecido?
Haden - Sim, mas esse projeto não é para tão logo. A música sempre vem em primeiro lugar.

Disco: Always Say Goodbye
Gravadora: Verve/Polygram
Preço: R$ 20,00 (o CD, em média)

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