São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Cultura para quem

Esta eleição vem sendo marcada, em alguns aspectos, pela pouca diferenciação entre várias das propostas dos candidatos. De repente, como que num grande consenso, todos prometem gerar milhões de empregos, resolver os problemas da saúde e da educação, erradicar a miséria e assim por diante. É evidente que estes temas, que infelizmente só costumam ser lembrados por muitos políticos às vésperas de eleição, rendem votos.
O mesmo fenômeno repete-se na área da cultura que, ainda que não renda tantos sufrágios, é capaz de conferir importantes apoios a uma candidatura. É sempre conveniente posar com um artista conhecido ou contar com o apoio de intelectuais, a chamada "intelligentsia", supostamente formadora de opinião.
E, nesse campo, as idéias dos dois principais concorrentes à Presidência são praticamente as mesmas: ambos defendem a volta dos incentivos oficiais à cultura. Não se contesta aqui o princípio de que o Estado pode e deve incentivá-la. Onde as propostas de FHC e Lula deslizam é na falta de meios originais e democráticos de fazê-lo.
A experiência já demonstrou que tanto a renúncia fiscal quanto a criação de órgãos estatais para financiar projetos culturais não apresentaram os resultados esperados.
Os incentivos fiscais, também aqui, têm dado margem a todo tipo de fraude. Não garantem em absoluto um acesso democrático às linhas de crédito, além de representarem uma perda de receita. As estatais da cultura não constituem uma exceção ao típico desperdício de tudo quanto é administrado pelo Estado, envolvendo apadrinhamento, empreguismo e corrupção.
É curioso que ambos os candidatos ameacem fazer com que retorne aos cinemas a cota garantida à produção nacional. Trata-se de uma abominável reserva de mercado para um produto que, muitas vezes, ninguém deseja consumir.
Não haverá um financiamento ético e democrático para a cultura enquanto não se desenvolver uma forma de controle que passe pelo mercado. Infelizmente, o gênero humano não é perfeito e alguns de seus vícios só são contidos quando existem interesses mais concretos que os reprimam.

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