São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
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Quem vai reformar a Federação?

FÁBIO KONDER COMPARATO

O último relatório do Banco Mundial sobre o desenvolvimento no mundo ressalta a importância dos investimentos em infra-estrutura para a elevação do nível geral de vida e a melhoria permanente da qualidade de vida das populações. O Bird chama a atenção igualmente sobre a necessidade de se instituírem mecanismos não-inflacionários de financiamento das inversões de capital.
Ora, a realidade brasileira, nesse particular, é contristadora. A nossa taxa global de investimento bruto, a partir da década de 80, é sete ou oito pontos percentuais inferior à média dos 30 anos subsequentes ao término da Segunda Guerra Mundial.
A Constituição de 1988 reforçou de modo irresponsável essa tendência perversa. O acréscimo na transferência de recursos tributários da União para os Estados e municípios fez-se sem vinculação alguma à obrigação de investimentos; o que contribuiu, decisivamente, para o aumento das despesas correntes daquelas unidades da federação.
Ademais, para cúmulo da insensatez, os constituintes criaram mais três Estados financeiramente inviáveis, com desastrosos resultados no que diz respeito ao bom aproveitamento das receitas públicas.
Atualmente, dos 26 Estados da Federação, 11 sobrevivem com receitas próprias inferiores ao montante de recursos federais que lhes são repassados pelo Fundo de Participação. Há mesmo casos aberrantes de total inviabilidade financeira de Estados que, no entanto, têm representação política igual à dos demais, no Senado Federal, e elegem, regularmente, oito deputados federais. Do total das despesas correntes do Estado de Tocantins, 78% são cobertos com recursos federais; no Estado de Roraima, esses recursos montam a 87%; no Amapá, 89%, e no Acre, 90%.
No tocante aos municípios, a fórmula de participação nos recursos federais –proporcionalidade direta da população e inversa da renda per capita– tem incentivado um festival de desmembramentos municipais em todo o país. Atualmente, cerca de 40% dos municípios brasileiros têm menos de 10 mil habitantes, mas cada um deles remunera o seu prefeito, os seus vereadores e mantém seu funcionalismo próprio.
Encontrar uma solução institucional para esse descalabro é tarefa urgente, como condição "sine qua non" do reinício do processo de crescimento econômico e desenvolvimento social. No entanto, o tema acha-se totalmente ausente da campanha eleitoral em curso, o que é facilmente compreensível, pois todos os candidatos são obrigados a cortejar os caciques locais, que exercem o papel de "grandes eleitores".
A questão crucial, pois, é esta: quem vai reformar a moribunda Federação brasileira e de que forma?
Comecemos pela forma de solução. O modelo norte-americano, de união de Estados autônomos, é apropriado para a criação de grandes unidades políticas associativas, mas não serve como quadro institucional de uma política de desenvolvimento equilibrado. A organização ideal para tanto é a divisão do país em regiões geoeconômicas naturais.
A Constituição de 1988 previu a criação de regiões, por iniciativa da União, "para efeitos administrativos" tão-somente (art. 43). O constituinte, obviamente, não teve a coragem política de enfrentar as oligarquias estaduais, que desde sempre fizeram a lei neste país. Parece óbvio, no entanto, que o federalismo brasileiro só recobrará vigor, quando as grandes regiões naturais do país adquirirem suficiente autonomia de organização e decisão, acima do quadro político estadual.
Uma vez criadas as regiões, como entidades políticas autônomas, a racionalização das finanças públicas fundar-se-ia em regras muito simples. As transferências de recursos federais deveriam fazer-se, exclusivamente, para investimento em projetos de desenvolvimento regional. Os Estados teriam de atender a suas despesas correntes unicamente com recursos tributários próprios.
Algo de semelhante deveria também ser estabelecido no nível municipal: os recursos do Fundo de Participação seriam destinados tão só a investimentos locais, no quadro de projetos decididos por consórcios de municípios limítrofes.
Mas quem faria essa indispensável reforma constitucional?
Não é difícil perceber a evidência de que o Congresso Nacional, autor e agente de nosso inepto federalismo, não tem a menor condição de legitimidade política para fazê-lo.
A doutrina democrática sempre sustentou que, sendo o poder público mero delegatário do povo, é a este que se deve recorrer quando o órgão estatal tem interesse próprio numa decisão política a ser tomada. Em outras palavras, a Federação só pode ser legitimamente reformada por decisão de uma assembléia popular de revisão constitucional.
O Congresso acha-se posto, portanto, diante do dever político e da obrigação ética de emendar a Constituição, para o efeito de convocar essa assembléia revisora, a ser eleita diretamente pelo povo na exata proporção do eleitorado, em cada circunscrição estadual.

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