São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Candidaturas, pesquisas e conjecturas

FÁBIO WANDERLEY REIS

Os dados das pesquisas recentes sobre a disputa eleitoral podem mesmo representar piores notícias para a campanha de Lula do que pareceria à primeira vista.
A rapidez e a intensidade do impacto do lançamento da nova moeda sobre as intenções de voto indicam claramente que os dados não expressam a avaliação, pelos eleitores, dos efeitos do real em termos das questões de política econômico-financeira que se acham em jogo, tais como a neutralização efetiva da inflação, o aumento ou a diminuição do poder aquisitivo da população etc.
Trata-se antes, em boa parte, do simples efeito da vinculação de Fernando Henrique com a "mágica" da moeda nova –possivelmente associada, em alguma medida, com uma forma nova de "ilusão monetária", de onde surge o prodígio de se poder comprar com alguns centavos o que antes custava milhares de cruzeiros.
As pesquisas têm revelado reiteradamente que a decisão de voto dos estratos populares majoritários depende sobretudo de vagas imagens que surgem como favoráveis ou desfavoráveis aos olhos do eleitor popular, o qual, no que se refere às questões específicas do debate político-econômico, tende simplesmente a projetar sobre os candidatos com quem vem a identificar-se as posições que sua desinformação lhe dita como corretas ou adequadas.
A questão crucial para a candidatura Fernando Henrique era a de se, independentemente de maiores ou menores virtudes ou êxitos administrativos como tal, conseguiria ele criar junto ao povão uma imagem favorável, superando o embaraço de certa marca elitista.
Ora, a nova moeda parece ter produzido tal efeito junto a setores significativos do eleitorado popular; introduz-se, assim, a possibilidade de que, nesses setores, a boa imagem de Fernando Henrique por ela criada se mostre infensa aos resultados mais ou menos negativos que o Plano Real venha objetivamente a apresentar adiante, mesmo durante o período de campanha.
Mas há um outro lado nos dados. Apesar do crescimento da rejeição a Lula (que, aliás, se dá também com os demais candidatos, o que sugere que se trata apenas de uma espécie de contracapa da adesão ao real e a Fernando Henrique), a consistência de certas proporções já velhas de preferência pelo candidato do PT, na faixa dos 30%, parece indicar que também ele conta com uma imagem popular consolidada que dificilmente será afetada, nos setores em que penetrou, pelas vicissitudes da campanha –e seria surpreendente que as preferências lulistas continuassem a cair muito além do ponto em que se encontram no momento.
Esse quadro, com a perspectiva de mobilização intensa no provável segundo turno, sugere uma disputa acirrada e de crescente azedume, com consequências que poderiam ser nefastas para a dinâmica do processo político que experimentamos na atualidade brasileira.
As virtudes da liderança pessoal representada por Fernando Henrique ficam bem claras na notável consistência trazida por ele a um mero governo-tampão formalmente chefiado pela figura melancólica de Itamar Franco.
Pode-se talvez apontar, como o faz Maria da Conceição Tavares, a tendência de certos adeptos de Fernando Henrique a "mitificá-lo". Mas isso é provavelmente parte do que faz dele um líder especial. E eu mesmo já ouvi de Conceição (de público...) a auto-indulgência de chamar de "carisma" seus próprios chiliques de hiperativa.
Não obstante, do ponto de vista político-institucional, nada vejo de especialmente propício na vitória de Fernando Henrique, mesmo se a escassa contribuição eleitoral do PFL que a evolução dos dados indica (corroborando a idéia de que a aliança PSDB-PFL não valeu o preço pago e foi sobretudo um erro de avaliação) lhe permitir livrar-se de compromissos administrativos mais negativos.
Por contraste, estou convencido de que, na hipótese de que o partido pudesse exercer normalmente o governo e transferir o poder, ao cabo, ao sucessor devidamente eleito, a vitória eleitoral do PT representaria um formidável passo à frente no processo de construção político-institucional e de consolidação da democracia brasileira –mas cumpre reconhecer que as mesmas razões que tornariam aquele desenlace altamente positivo fazem dele algo muito pouco provável.
Assim, à parte certo terrorismo nos prognósticos relativos às consequências administrativas da eventual vitória petista (que se mescla, em outros setores, com o difuso veto ideológico ao acesso desse partido ao controle da aparelhagem do Estado nacional), julgo imprescindível que o PT viesse ao poder dispor, em caso de vitória, do apoio de forças políticas como as que se expressam no PSDB.
E isso não apenas para governar e assegurar sustentação no Congresso, mas também para ajudar a reduzir as chances de êxito de eventuais aventuras golpistas –risco com o qual, apesar da derrocada mundial do socialismo e tudo o mais, creio ser inequivocamente necessário contar na longa caminhada de um possível quadriênio petista.
Tal risco não seria senão agravado se a vitória de Lula surgisse como reviravolta das atuais tendências, produzida por uma campanha agressiva.
Mas a melhor aposta é agora, obviamente, a da vitória de Fernando Henrique Cardoso. Neste caso, restaria ao PT reconhecer-se de vez como partido eleitoral e empenhar-se por voltar fortalecido a nova disputa do governo no futuro –no melhor dos casos com o país mais arrumado e com progressos no aprendizado de convívio democrático de parte a parte.
E na hipótese contrária, menos provável, cabe certamente contar com o senso de responsabilidade de um Fernando Henrique transformado, mesmo diante de eventual derrota, em liderança nacional de primeiro plano.

Texto Anterior: Quem vai reformar a Federação?
Próximo Texto: Atlas da Folha; Jogo do bônus; Doutores e encanadores; Frei Tito e a justiça; Estréia da peça; Balarinos demitidos; Direitos dos deficientes; Romário e Senna
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.