São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 1994
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Quem ganha com o caos

MARIO DA COSTA C. FILHO

Há um ditado antigo que garante: na briga do rochedo com o mar, quem se lasca é o marisco. É exatamente o que está ocorrendo na briga entre os ministérios da Fazenda e da Saúde por verbas para a assistência pública à saúde.
Enquanto os dois organismos se degladiam, cada um esgrimindo argumentos que dão a exata noção da fragilidade orçamentária do Estado, sobram golpes –mortais, infelizmente– sobre o cidadão submetido aos respingos dessa briga inconcebível.
É preciso deixar claro que o Ministério da Fazenda é vilão nessa disputa, mas não o único. Age sob o olhar complacente do próprio presidente da República, esse sim o grande responsável pelo caos vivido no setor da saúde.
Movido sabe-se lá por qual razão, Itamar Franco parece convencido de que a saúde não merece crédito. Se depender do presidente e de suas recentes declarações, o sistema público de saúde terá de sobreviver com a metade dos recursos de que precisa. Se conseguir, muito que bem. Se não, dane-se o cidadão.
Irresponsável, a postura do presidente dá a exata importância que tem, perante o poder público, a vida do brasileiro. Mantida a atual dotação do Ministério da Saúde, cada brasileiro terá do Estado menos de R$ 2,00 para suas necessidades básicas de assistência até o final do ano. É pouco?
Se for, o próprio governo dá a solução: proíba-se o brasileiro de adoecer e cancelem-se de imediato 400 mil internações. Assim, sobra dinheiro e acaba o problema.
Parece brincadeira, e seria uma boa piada se não traduzisse um crime que, recentemente, o próprio ministro da Saúde elevou ao grau de genocídio.
Mantidas as devidas proporções, morre-se no Brasil tão desnecessariamente –por falta de assistência digna– quanto se morre em Ruanda em virtude da fome e do cólera. Lá, entretanto, vêem-se consequências de uma guerra civil. Aqui, de insensibilidade pública.
A discussão acerca dos recursos para a saúde expõe uma mazela crônica em nosso país: a absoluta falta de bom senso e de boa vontade em solucionar os problemas mais graves da cidadania.
Não passa pela cabeça de ninguém que o problema da assistência seja de solução impossível. Ela não aparece porque alguém, de alguma forma, ganha dividendos preservando esse estado de coisas.
Resta saber o que o presidente Itamar Franco lucra com isso. O que o cidadão perde todos nós sabemos.

MARIO DA COSTA CARDOSO FILHO, 43, é presidente da Associação Médica Brasileira (AMB).

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