São Paulo, sábado, 20 de agosto de 1994
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Melhor para a sonegação

JANIO DE FREITAS

Caída de repente do estrelato, que experimentou por um ano e dois meses, a Receita Federal está justificando o retorno à obscuridade em que passara toda a existência anterior. Não só porque seu ímpeto de combate à sonegação se tenha arrefecido, mas pela distância em que volta a estar do papel fundamental que teria a cumprir, se levada adiante a sua reforma agora frustrada.
O nível de sonegação de impostos no Brasil é dos mais altos do mundo: é de 50%, pelo levantamento da própria Receita. Se, a cada ano, não chega ao Tesouro Nacional a metade dos impostos que lá deveriam entrar, a cada ano o governo emite dinheiro para suprir o que, sonegado, transformou-se em propriedade dos sonegadores. A sonegação tem sido, portanto, um fator inflacionário ano após ano, e não deixou de sê-lo com o Plano Real.
Visto este seu efeito por outro aspecto, o dos gastos governamentais, a sonegação se mostra ainda mais perniciosa. A título de reduzir gastos, para conter a inflação, têm sido violentamente amputadas as verbas para saúde, educação, saneamento, pesquisa científica, vencimentos do funcionalismo civil e militar, e demais obrigações do governo. Estes cortes de gastos, com efeitos até trágicos, como no atual aumento da mortalidade infantil e na degeneração da assistência hospitalar, têm relação direta com a sonegação. O que o governo devia receber e não recebe, corta nos gastos.
Daí a importância da reforma que Osiris Lopes Filho realizava na Receita Federal, para habilitá-la, técnica e operacionalmente, a ampliar o cerco à sonegação. O seu trabalho que mais apareceu, e lhe deu notoriedade, foi o de cobrança dos impostos já sonegados. Mas a maior importância do trabalho estava na reforma da Receita. Um projeto que encontrou forte resistência na equipe econômica, principalmente do secretário executivo da Fazenda, Clóvis Carvalho. O próprio ministro Rubens Ricupero só autorizou a aplicação de uma parte da parte inicial do projeto.
Pois bem, os programas de treinamento, a instalação de delegacias de julgamento, tudo, enfim, que se referia à reforma da Receita está paralisado. A equipe econômica prefere continuar cortando os gastos com saúde, educação, saneamento, pesquisa científica, e demais obrigações do governo. Como os assalariados e os funcionários não podem sonegar, porque seu Imposto de Renda é descontado na fonte, os sonegadores, obviamente, são de outra categoria econômica. E a estes não cabe incomodar.

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