São Paulo, sábado, 20 de agosto de 1994
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Integração competitiva e privatização

MÁRCIO FORTES

A série de artigos do jornalista Luís Nassif, intitulado "O programa que mudou o Brasil", publicada neste jornal, referindo-se principalmente à integração competitiva, mas também a outros aspectos da renovação conceitual em torno da política industrial brasileira, leva-me a recordar o importante período que vivi à frente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
De fato, assumindo a presidência do BNDES, em janeiro de 1987 e lá permanecendo até outubro de 1989, participei intensamente não apenas das formulações acadêmicas a respeito do assunto mas, sobretudo, dos primeiros debates necessários a uma mais completa elaboração conceitual e uma consequente e eficaz programação operacional.
As políticas operacionais do BNDES, até outubro de 87, ainda refletiam, em sua grande parte, a bem sucedida política de substituição de importações da década de 70.
Bem sucedida porque adequada a seu tempo, quando havia recursos financeiros internacionais abundantes à disposição do desenvolvimento brasileiro. O mundo, praticamente como um todo, tratava de reciclar petrodólares e considerava cada uma das nações como se fosse uma ilha.
A integração competitiva –expressão cunhada em conversas informais dentro do BNDES– foi por mim estimulada e debatida, sobretudo pela liderança –como bem disse Luís Nassif– do economista Júlio Mourão que, com sua equipe, entendeu claramente não apenas que a substituição de importações estava cumprida nos seus objetivos (já que praticamente nada mais seria necessário importar no Brasil de 1987), como impraticável pela existência de novos princípios na política industrial mundial e de novas vertentes no horizonte internacional.
Essas vertentes indicavam inexistência de recursos financeiros, subida de juros e o aparecimento de novidades, em termos de competitividade, complementariedade e de deslocamento do eixo da velha Europa e dos Estados Unidos para os então aparecidos como potências, os Tigres Asiáticos.
O que se formulou no BNDES, em 87, não foi exatamente uma política de integração competitiva. Foi todo um plano estratégico para a política industrial brasileira que, sob o nome de "Cenários da Economia Brasileira para o ano 2000", preconizava uma revisão do papel do Estado, em primeiro lugar –no qual se encaixava magnificamente o processo de privatização–, e uma nova postura face a velhos preconceitos que ainda dominavam o país. Um deles era toda a dificuldade de entendimento do papel do Brasil face às outras nações.
Descobrimos, então, a integração competitiva e outros aspectos menos centrais, mas igualmente importantes, como a questão do meio ambiente, a questão do desenvolvimento científico-tecnológico, a importância da agroindústria moderna e assim por diante.
A integração competitiva –foco central desses cenários– na realidade não pretendia colocar o Brasil novamente como uma nação capaz de exportar produtos industriais e gerar, com isso, divisas.
Mas sim capaz, e já era então, de suportar, com toda a soberania e capacidade de gestão, qualquer tipo de relação industrial com outras nações, em termos de troca de recursos financeiros, de cooperação tecnológica –vale dizer, o novo conceito da cessão de tecnologia–, de complementariedade industrial e de importância de seu próprio mercado.
O mercado brasileiro, embora distorcido pelas diferenças de renda entre os variados setores de atividade, regiões e pessoas, era –como hoje é mais ainda– pujante e importante aos olhos de qualquer observador, mesmo não brasileiro. Este mercado certamente conduziria a interessados em se associar e não apenas em ser vendedor de produtos a brasileiros.
A até então existente forte restrição alfandegária à importação brasileira era estimulante para que aqui se implantassem –não exatamente nos modelos das décadas de 50 e 60, quando aqui se criaram unidades fabris de capital estrangeiro completas– unidades capazes de, articuladas com a indústria brasileira, promover sua atualização tecnológica, a identificação de suas maiores vantagens e a produção em série complementar de quase todo tipo de produtos, desde os mais conhecidos, como automóveis, por exemplo, até os mais sofisticados, como bens de alta densidade tecnológica e bens de grande valor unitário, como aqueles decorrentes da indústria naval.
Tudo isso só seria possível se houvesse o amparo de uma entidade de crédito poderosa, como o BNDES, capaz de capitalizar convenientemente os industriais brasileiros para que não fossem inferiorizados face a seus congêneres internacionais.
Também estava claro que isso só seria possível se o banco recuperasse para a dinâmica da sua atividade os capitais até então imobilizados na propriedade de inúmeras empresas que tinham sido incorporadas a seu patrimônio por diversas razões no passado.
Iniciou-se, então, uma política paralela de substituição de ativos imobilizados –vale dizer, ações de empresas sob seu controle– por recursos via privatização.
A privatização, na realidade, não foi uma política tão central. Foi a necessidade que o BNDES teve, em primeiro lugar, de gerar recursos dentro de seu próprio patrimônio; em segundo lugar, de obter liquidez para suas atividades normais; e, em terceiro lugar, porque a sua própria administração interna era fortemente prejudicada pelo acúmulo de atos de gestão necessários a seu dia-a-dia, tendo em vista o banco ser proprietário ou controlador de mais de 25 empresas de grande complexidade. A política de privatização, portanto, complementava-se muito bem à integração competitiva.
Nos momentos seguintes, o BNDES passou a trabalhar operacionalmente com mais agilidade, deixando de ser um mero financiador de projetos –em percentuais, prazos, taxas de juros, preconizados setor por setor ou região por região pelas suas políticas operacionais– para tornar-se participante dos esforços de desenvolvimento de seus clientes ou parceiros.
Os esforços foram coroados de êxito. O ingresso de recursos, naquele período, de cerca de US$ 1 bilhão adicionais, possibilitou que o BNDES multiplicasse a sua participação em novos empreendimentos e na expansão de unidades fabris já existentes que tivessem como objetivo a integração competitiva, a modernização tecnológica e o aumento da carga de complexidade de seus produtos.

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