São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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Projetos do governo irrigam terras com maconha no NE

XICO SÁ
ENVIADO ESPECIAL A PETROLINA (PE)

Plantações de maconha são beneficiadas com projetos públicos de irrigação no vale do rio São Francisco, nos Estados de Pernambuco e Bahia.
O fato tem preocupado o governo federal, segundo revelou o superintendente regional da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco), Hildo Diniz, de Petrolina (PE).
A partir dessa região, o governo planeja instalar o polêmico projeto de transposição das águas do rio São Francisco (leia reportagem abaixo).
Na manhã de quinta-feira passada, a reportagem da Folha visitou, no município de Juazeiro, na Bahia, uma das áreas mais cobiçadas pelos plantadores de maconha.
Trata-se do projeto de irrigação Maniçoba, a 34 km de Juazeiro. Na margem do rio São Francisco, a mesma água que sai para molhar as plantações de tomate, melancia e cebola acaba irrigando maconha.
"Já tivemos muito trabalho com essa máfia, que se utiliza da água levada pelo governo e acaba complicando os objetivos dos projetos", disse Diniz.
Os colonos das áreas de irrigação pública têm sempre muitas histórias para contar sobre "a máfia" –definição que dão ao contingente de plantadores da Cannabis sativa.
"Outro dia saí para procurar uma ovelha no pasto e acabei encontrando uma roça de maconha", relata o agricultor Reginaldo Pereira, 32, que trabalha no projeto Maniçoba. "Agora a coisa diminuiu um pouco".
"Plantar dinheiro"
"Mas não tem jeito, eles sempre voltam. Plantar maconha é o mesmo que plantar dinheiro", afirma o agricultor, que cultiva melancia e tomate.
Somente no vale do rio São Francisco existem cerca de 70 mil hectares de terra irrigados nos últimos 20 anos com o dinheiro do governo federal.
A PF e a Polícia Militar localizam rotineiramente plantações de maconha nessas áreas públicas.
Os investimentos atuais com irrigação pública na região, segundo diretores da Codevasf, somam cerca de US$ 200 milhões –resultado de vários empréstimos tomados pelo Brasil em bancos e organismos internacionais.
Agricultores e comerciantes da região apontam o descontentamento com os rumos da política agrícola como um dos fatores responsáveis pela troca dos plantios convencionais pela maconha.
Plantar arroz e feijão, cebola ou tomate, de acordo com os agricultores, tem sido o caminho mais curto para o prejuízo.
Por conta dessa polêmica, existe uma frase na região que é repetida a cada vez que se discute o assunto: "Com essa política agrícola do governo, nem com maconha irrigada é possível ter lucro".

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