São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A Petrobrás está doente

OSNY DUARTE PEREIRA

Enquanto o povão comemorava o tetracampeonato de futebol, uma de suas poucas, legítimas e sadias paixões, agentes do FMI tramavam novas formas de sugar as parcas economias do Brasil, como gafanhotos vorazes na horta do roceiro miserável.
Para quem assistiu a estratégia usada pelas então "Sete Irmãs", destinada a impedir a criação da Petrobrás, em 1954, não é novidade a intimidação publicitária usada para o Brasil render-se à entrega da distribuição do gás ao cartel internacional.
Na data da recepção aos tetracampeões, a estatal boliviana YPFB assinou contrato com a Enron Development Corp. que comercializa 20% de todo o gás natural consumido nos Estados Unidos e projeta entrar por Corumbá, vir para São Paulo e Rio, espalhar-se pelo Sul do Brasil, galgar a Argentina e Chile, aliar-se à Broken Hill Proprietary Co. (BHP), num projeto mirabolante e arrasador.
Acontece que o gasoduto requer receitas altas e não há exemplo no mundo de gasodutos com finalidade humanitária para servir populações carentes. Logo se vê o golpe publicitário. O real mesmo é galgar São Paulo e Rio, destruir a Petrobrás e controlar, de fora, nosso desenvolvimento industrial.
No dia 17 de dezembro do ano passado, o jornal "O Estado de S.Paulo" noticiava uma gravíssima irregularidade em curso na Petrobrás, envolvendo altos funcionários da administração Joel Mendes Rennó.
Denunciava o jornal que o Banco C.S.First Boston seria contratado para gerenciar o projeto de gás Brasil-Bolívia e que o "contrato seria como entregar um cheque em branco ao banco", segundo parecer de juristas.
Totalmente irregular, o contrato poderá acarretar, além de um desfalque imediato de US$ 14,1 milhões, a abertura de ensejo para o Banco C.S. First Boston conceder propinas de valores diferenciados e ilimitados por conta da Petrobrás a terceiros, em busca de empréstimo.
O contrato destina-se a remunerar a título de "consultor" os serviços de intermediação desse banco, para tentar obter um empréstimo, na comunidade internacional, no valor de US$ 2 bilhões.
Com esse dinheiro, a Petrobrás construiria o gasoduto a custo estimado total de US$ 6 bilhões para trazer o gás boliviano (controlado pela Chevrom, uma das Seis Irmãs do cartel mundial do petróleo) para sete Estados brasileiros.
São decorridos seis meses da denúncia e não se conhece providência no Congresso para desfazer o assalto ao patrimônio da estatal.
O projeto não é novo. Nos idos de 1938, quando o Brasil ainda não produzia petróleo, Getúlio Vargas e o então presidente da Bolívia imaginaram realizar a exploração das jazidas daquele país em "joint venture" de governo a governo, para fugirem ao controle do cartel italiano. Com a morte do presidente da Bolívia, o projeto foi extinto.
Outras arremetidas foram feitas pela Gulf, que se tornara concessionária das jazidas. Nossos governos recusaram, sucessivamente, essas tentativas, não só porque o Brasil passara a produzir petróleo e gás em quantidade crescentes, como também porque o custo do oleoduto, sua manutenção e riscos, dada a instabilidade do regime boliviano deixavam inseguro o abastecimento. As arremetidas de prepostos da Gulf foram repudiadas, sobretudo no Conselho de Segurança Nacional por generais decentes.
A Petrobrás cresceu, ao longo dos anos, canalizou o gás encontrado na Bacia de Campos até São Paulo e está ampliando a distribuição por toda a rica região entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, realizando o sonho de nossa emancipação econômica da área energética.
Hoje há até sobra de gás –a Petrobrás mantém vários poços fechados– ainda represado por falta de patriotismo nos governos que, ao invés de deixarem a Petrobrás crescer e receber os recursos da venda do petróleo produzido, para seu desenvolvimento, obrigam-na a partilhar, com revendedoras do cartel mundial, os lucros da exploração comercial.
Hoje, as distribuidoras lucram mais que a Petrobrás por litro vendido de nossa gasolina.
Logicamente, existindo gás brasileiro e no coração do parque industrial nacional, tornou-se um absurdo ainda maior ir agora buscar o gás dispendioso da Chevron, na Bolívia, para competir com o de Campos, destruir a distribuição da Petrobrás e deixar a mesma Chevron assumir o controle político de nosso parque. Essa tentativa é inconstitucional, enquanto vigorar o artigo 25, & 2, da Carta de 1988.
A Europa deu-nos uma lição de prudência e patriotismo, quando os russos se propuseram a abastecer o continente com seu gás. Haveremos de lembrar.

Texto Anterior: Desconto ilegal; Crédito condicional; Efeito real; Expansão prevista; Financiando consumo; Natureza da demanda; Atividade diversificada; Primeiro quinquênio; Jogada conjunta
Próximo Texto: A propósito do gás da Bolívia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.