São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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A propósito do gás da Bolívia

DANIEL SAHAFOFF

Em 1991, a Petrobrás limitava suas entregas de gás natural à Comgás em 1.200.000 m3 por dia, não obstante as empresas tivessem celebrado contrato para 3.000.000 m3 por dia, alegando a estatal federal não ter disponibilidade do produto.
Diante da premência de incrementar a participação do gás natural na matriz energética paulista, por problemas ambientais e por ser esse combustível essencial para importantes setores industriais, o empresariado paulista e o Governo do Estado de São Paulo aumentaram a pressão sobre a Petrobrás para que esta, finalmente, construísse o gasoduto da Bolívia, objeto de vários acordos, jamais implementados.
Por iniciativa do então Presidente da FIESP, Mario Amato, formou-se, em novembro de 1991, comitiva integrada pelo próprio Amato, pelo Secretário de Energia de São Paulo, pelo então Presidente da Comgás, empresários e o Presidente da Petrobrás da época.
Na Bolívia, a comitiva foi isolada pelo Presidente da Petrobrás sob o pretexto de que, como detentora do monopólio de importação de gás, deveria negociar sozinha com a YPFB, como se o monopólio pudesse ser empecilho a que os usuários do gás fossem ouvidos.
Esse fato, à época, gerou protestos formais do Governador Fleury e do então Secretário de Energia, José Fernando Boucinhas.
Após a assinatura da carta de intenções com o YPFB, em 26 de novembro de 1991, a Petrobrás continuou com sua atitude hermética em relação ao mercado comprador, determinando quais os Estados beneficiários do gás e não os consultando sobre as cláusulas do contrato com a Bolívia, daí resultando que o contrato assinado em 17 de fevereiro de 1993 não é o mais adequado no que tange ao diâmetro da tubulação, adaptação à sazonalidade do consumo, quantidades totais e garantias de recebimento (take-or-pay).
De então a esta parte, a Comgás e as demais concessionárias estaduais de gás, vêm tentando assinar um contrato de compra com a Petrobrás, que, respeitando o que foi pactuado com a Bolívia, seja exequível pelos adquirentes do produto.
Alguns progressos foram conseguidos, em parte devido à maior compreensão da atual Diretoria da Petrobrás: em março de 1993, finalmente, a Petrobrás liberou mais 1.800.000 m3 por dia para a Comgás, atingindo a quantidade contratada em 1987, foi autorizada a construção, às expensas da Comgás, de um "city gate" em São José dos Campos e, em contrapartida, a Comgás concordou, na conversão de cruzeiros reais para URV, com um aumento de preço do gás nacional que, aplicando-se o critério legal, deveria ser de US$ 1,68 por milhão de BTU, sendo fixado, por acordo entre as partes, em US$ 2,15 por milhão de BTU.
Nessa ocasião, fixou-se o princípio de que o preço de venda do gás da Petrobrás para as distribuidoras deveria ser equivalente a 75% do preço do óleo combustível 1-A.
Quando a Petrobrás se viu obrigada a procurar sócios minoritários para o empreendimento, os erros do contrato assinado vieram à tona e se tornaram mais perceptíveis, inclusive ao governo boliviano, o que motivou a recente visita do Presidente daquele país à Brasília, tentando obter algumas mudanças.
Outras ainda serão necessárias: o traçado e o projeto do gasoduto têm de ser adaptados para não triplicarem o preço do gás na boca do poço, como pretende hoje a Petrobrás. O preço do gás doméstico, quando o produto boliviano chegar, terá de ser reduzido, de maneira a que o "mix" do gás das duas procedências obeceça à paridade de 75% do preço do óleo combustível.
As quantidades de gás e o diâmetro de tubulação terão de ser aumentados para que o "take-or-pay" de 90%, que a Petrobrás teima em exigir, seja viável, ou esta tem que reduzir esse percentual para 80% ou 85%.
Para se chegar a esses resultados é necessário racionalidade, objetividade e vontade de atingir um consenso, coisas que andam longe do recente folheto da Aepet, no qual, inclusive, se acusa a Comgás de não consumir sua quota de 3.000.000 m3 por dia, esquecendo de mencionar que tal quota só se tornou disponível há 15 meses e que, nesse período, o consumo da Comgás subiu de 1.200.00 m3 por dia para 2.500.000 m3 por dia, devendo a quota toda estar absorvida até o fim de 1994.
O governo de São Paulo está disposto a construir termoelétricas a gás, que custam menos que hidroelétricas e se constróem mais rapidamente, ajudando a viabilizar o gasoduto. Falta só a Petrobrás ser menos imperial e fazer de
seus clientes, seus parceiros.

DANIEL SAHAGOFF, 55, advogado, é presidente da Comgás (Companhia de Gás de São Paulo) e da Abigás (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Gás Canalizado).

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