São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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Designer diz que mídia produz violência

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Milton Glaser é um dos maiores nomes das artes gráficas das últimas décadas. Ficou célebre no final dos anos 60 com seus desenhos e ilustrações, desenvolvidos dentro de uma perspectiva radicalmente pop. Algumas de suas capas de livros e discos (Herman Hesse, Bob Dylan etc.) tornaram-se verdadeiros clássicos e referências.
Glaser fez um cartaz especialmente para a exposição "Comunicação Gráfica e Violência", que será inaugurada amanhã no Museu de Arte de São Paulo. O designer falou à Folha por telefone de seu escritório, em Nova York.
Folha - Qual pode ser a principal contribuição das artes visuais no combate à violência?
Milton Glaser - As artes visuais têm a capacidade de simbolizar e cristalizar idéias, e transmiti-las a uma audiência. Elas têm o papel de persuadir as pessoas de que certos atos são apropriados e outros não. É lógico que mudar um comportamento social é algo muito mais complexo, mas um dos meios é através dos símbolos.
Folha - Não existe o risco de se estilizar a violência?
Glaser - Como jornalista, você devia se perguntar a mesma coisa todos os dias. Provavelmente, o maior produtor de violência, por tentar ser ao mesmo tempo cínico e objetivo, seja o jornalismo e sua habilidade de glamourizar a informação para o grande público, convencendo-o de que ela é excitante e interessante. É lógico que isso diz respeito a todas as formas de mídia, incluindo as visuais.
Folha - Quando você faz um cartaz, como no caso específico do que enviou para esta mostra, você pensa nesse risco?
Glaser - É lógico que, se você está inserido no mercado de comunicações, você se vê frequentemente comunicando idéias que carregam algum tipo de perigo. Particularmente porque as consequências da maior parte das atividades de comunicação são desconhecidas pelos participantes. No caso específico do cartaz desta mostra, a idéia era que as próprias palavras podem ser nefastas, podem criar um tipo de violência. As palavras cortam a cabeça.
Folha - Você já trabalhou a partir de obras famosas e grandes artistas, como Piero della Francesca. Qual é o objetivo de trabalhar sobre grandes obras de arte e transformá-las em ilustração e desenho gráfico?
Glaser - Não acho que as transforme em desenho gráfico. Há um princípio estabelecido na história da arte de manter a continuidade de um acontecimento histórico. Basicamente é uma homenagem às suas próprias raízes.
Minha idéia era utilizar artistas como Monet e Piero della Francesca nesse sentido. No caso de Piero, era uma comemoração dos 500 anos do nascimento do pintor. A homenagem era uma tentativa de usar o artista como natureza. Em vez de olhar para uma árvore pela janela, eu olhava para Piero e desenhava a partir de suas obras como se elas fossem a natureza.
Folha - Você acha que ilustração é arte?
Glaser - Há alguns ilustradores que são também artistas. Toulouse-Lautrec, por exemplo. Nesse caso, não há diferença substancial de qualidade entre o que ele realizou como ilustrador e como artista. A idéia de ilustração foi uma das primeiras funções da arte.
Durante o Rensacimento, sua função era basicamente servir a classe dominante, os reis e a Igreja, para demonstrar certas histórias e narrativas que os engrandecia. Havia uma intenção ilustrativa, que não se separava da idéia de arte. Isso só aconteceu nos últimos 300 anos, no mundo ocidental. É uma distinção arbitrária, cujas razões econômicas e psicológicas devem ser entendidas. Isto posto, a principal diferença entre arte e ilustração é o talento. O verdadeiro artista tem o dom metafísico de transformar a realidade e o ilustrador tem o dom de mostrar as coisas. Em certos casos as duas qualidades se somam.
Folha - Você já pensou em abandonar as artes gráficas para se tornar um pintor?
Glaser - Todo mundo que embarca em artes gráficas, começa com a vontade de ser artista. Muitos artistas, como Edward Hopper e Feininger entre centenas de outros, começaram suas carreiras como designers ou ilustradores. Nunca tive o desejo de ser um pintor. Para mim, essa idéia não faz sentido no século 20.
Folha - Você se tornou conhecido no fim dos anos 60 e início dos 70, na tradição da arte pop. Qual foi a influência da arte pop no seu trabalho?
Glaser - Estava trabalhando a partir do mesmo universo de signos que os artistas pop. Por um lado, estávamos trabalhando com nossas próprias experiências com as histórias em quadrinhos etc. Não tive nenhuma relação direta com a arte pop; partimos da mesma fonte. A arte pop é por um lado uma invenção da mídia e, por outro, o resultado de jovens pintores que se formaram copiando personagens de histórias em quadrinhos em vez de ir para a academia. O fenômeno da arte pop ainda não foi totalmente entendido.
Folha - Como você vê as artes gráficas hoje?
Glaser - É um momento difícil. O computador industrializou o desenho gráfico. Os critérios e padrões industriais substituíram os artesanais. Houve uma subversão da autoridade dos designers, porque agora parece que todos podem aprender como fazer se têm um computador e um programa. Várias pessoas sem formação gráfica estão produzindo uma enorme quantidade de material sem qualquer qualidade estética ou visual. Folha - Você usa computador?
Glaser - Usamos para várias coisas. É impossível não utilizar computador se você deseja permanecer no mercado.
Folha - Durante os anos 60 e 70 várias causas políticas foram naturalmente associadas ao seu trabalho. Que causas sociais ou políticas o atraem hoje?
Glaser - Existe uma quantidade nos EUA: aborto, direito das mulheres, dos gays, Aids. Pelo menos 20% do meu trabalho está relacionado com causas políticas.

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