São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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Leonardo Vilar volta ao cinema após 25 anos

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

LeonardoVilar volta ao cinema após 25 anos
Aos 71 anos, Leonardo Vilar está eufórico como uma criança por voltar ao cinema.
Depois de 25 anos ausente das telas, o ator de clássicos como "O Pagador de Promessas", "A Grande Cidade" e "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" protagoniza o curta-metragem "O Enigma de um Dia", de Joel Pizzini, em filmagem em São Paulo.
Seu papel é o de um vigia de museu, e ele até reaprendeu a andar de bicicleta para interpretar uma sequência externa.
Filho de imigrantes pobres espanhóis, ex-roceiro em Piracicaba, ex-alfaiate no Brás, Vilar trabalhou em oito filmes, 15 telenovelas e "umas 60 peças" de teatro.
É um dos mais premiados atores do país. Conheceu dias de glória e de esquecimento. Sua mágoa mais recente foi não ter sido convidado para a abertura do recente Festival de Gramado, que exibiu uma cópia nova de "Augusto Matraga".
"É o meu melhor papel, e eu queria muito ir", disse o ator num dos raros momentos em que não sorriu nesta entrevista, concedida em seu apartamento em São Paulo.

Folha - Por que você ficou 25 anos sem fazer cinema?
Leonardo Vilar - Por falta de convite. Tive muitas propostas para fazer pornochanchadas, que eu recusei. Para filmes sérios, legais, não me convidaram.
Folha - Sua entrada no cinema, como foi?
Vilar - Tínhamos feito "O Pagador de Promessas" no teatro com grande sucesso. Anselmo Duarte comprou os direitos da peça para levar ao cinema. Usaria o mesmo elenco, só que não me queria no papel de Zé do Burro.
Folha - Por quê?
Vilar - Porque eu era grande e gordo, pesava 80 quilos, e o personagem é um nordestino subnutrido. Mas eu queria tanto fazer cinema que o Anselmo me disse: 'Se você emagrecer oito quilos num mês eu te dou o papel'.
Fiz um regime e emagreci 13 quilos. Ganhei o papel, mas disse: "Não sei nada de cinema". Então ele me orientava: "Você está arregalando muito os olhos, está saindo de quadro, não gesticule..."
Folha - E você foi a Cannes com o filme?
Vilar - Fui. Na abertura do festival, ninguém sabia quem eu era, eu ficava assistindo a entrada de todas aquelas estrelas, deslumbrado. Depois que passou nosso filme, eu é que era abordado e fotografado, foi uma coisa fantástica.
Folha - Você concorda com o que Anselmo Duarte diz em suas memórias, que foi discriminado pelo pessoal do Cinema Novo?
Vilar - O Anselmo é muito passional, exagera em muita coisa, mas tem razão em quase tudo. Houve mesmo muito despeito por ele ter ganho a Palma de Ouro, especialmente porque era um filme acadêmico, simples.
O Brasil foi o único país em que "O Pagador" não teve boa crítica. E o filme não ganhou só Cannes. Teve set0e prêmios internacionais, o que derruba a tese de que ganhou Cannes por marmelada.
François Truffaut era do júri. A crítica que ele fez a "O Pagador", e a mim, pessoalmente, é pra botar num quadro na parede.
Folha - Por que você nunca trabalhou com Glauber?
Vilar - Ele me convidou para "Terra em Transe", mas eu não quis porque era um papel muito pequeno. Tanto que acabou eliminado na montagem final.
Folha - Quais foram as diferenças entre trabalhar em "O Pagador" e em "Matraga"?
Vilar - São duas cabeças completamente diferentes, Anselmo Duarte e Roberto Santos.
O Anselmo é um diretor instintivo. Ele aprendeu cinema fazendo, por instinto. E o Roberto, além do talento e da sensibilidade que tinha, era um estudioso. Ele pensava em detalhes, minúcias.
O personagem do "Pagador" eu já tinha feito no teatro. O Matraga não. Tive que destrinchar o personagem junto com o Roberto Santos. Eu ia toda noite à casa do Roberto e a gente pegava o script, cena por cena, lia, discutia, eu fazia para ele do jeito que eu achava, ele corrigia. Era uma espécie de laboratório.
Foi o personagem mais difícil que eu fiz. Além de tudo, começamos o filme do fim para o começo, por causa da barba do Matraga. Quando revi o filme outro dia, numa cópia em vídeo, eu disse: "Puta que pariu, eu fiz isso!"
Folha - Como você chegou à televisão?
Vilar - A primeira novela que eu fiz foi em 72. Era "O Primeiro Amor". Eu substituí o Sérgio Cardoso, que era o professor Luciano.
Quando Sérgio morreu, faltavam uns 20 capítulos e me chamaram para o lugar dele, para gravar no dia seguinte. Foi estranhíssimo, porque o público estava acostumado com o Sérgio, ele era um ídolo.
Recebi cartas me xingando, outras me elogiando, dizendo que eu era a cara do Sérgio Cardoso...
Folha - Você segue algum método de interpretação?
Vilar - Não tenho método, sou um ator instintivo, embora tenha estudado muito Stanislavski na Escola de Arte Dramática.
Folha - Como você foi parar na EAD?
Vilar - Eu já tinha 23 anos, trabalhava como alfaiate no Brás e queria fazer algum curso noturno.
Um dia vi no jornal que tinham aberto uma Escola de Arte Dramática, pensei: vou tentar. Eu só tinha ido ao teatro umas duas vezes.
O teste de admissão era decorar e representar uma cena, e a comissão julgadora tinha Cacilda Becker, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi. Passei, fiz os quatro anos do curso. Tinha história do teatro, estética teatral, mitologia greco-romana, francês... Imagine. Eu não sabia falar direito nem português (risos).
Folha - E como você se profissionalizou?
Vilar - Logo que acabou o curso comecei a trabalhar no TBC, fazendo figuração. Enquanto isso, de dia, trabalhava de alfaiate.
Fui fazendo pontinhas, papéis pequenos, e cheguei a primeiro ator do TBC, ao lado da Cacilda, que tinha sido minha professora na EAD e que foi, entre os atores, quem mais me influenciou.
Minha geração foi privilegiada. Aprendemos com Ziembinski, Adolfo Celi, Luciano Salce, além dos melhores professores de canto, dança, voz... Até com Marcel Marceau tivemos aula de mímica.

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