São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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Caixa resume 30 anos de rock do The Who

PAULO CAVALCANTI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A carreira do The Who seguiu um padrão: lutou contra as instituições para se tornar uma delas. Agora, chegando aos 30 anos de existência, o grupo inglês não escapou da definitiva instituição do mercado fonográfico: a caixa de CDs remasterizados com luxuoso livreto de fotos. O pacote, chamado "30 Years of Maximum Rhythm'n' Blues", está chegando às lojas via importação, pela Polygram.
Quem vê o The Who hoje, tocando "Tommy" pela milionésima vez, não consegue imaginar o quanto eles foram importantes para o rock. Eram arrogantes, mas acessíveis. O The Who era sua própria audiência.
A mola mestra da banda sempre foi Pete Townshend, um magrela narigudo que viria a se tornar filósofo residente do rock. Estudante de arte, Townshend formou um grupo beat com o cantor Roger Daltrey e o baixista John Entwistle. Em 1964, o feroz baterista Keith Moon entrou para a turma. O quebra-cabeças estava formado.
Precisando de uma imagem, a banda decidiu ser porta-voz dos "mods", abreviação de "modernist", uma subcultura jovem londrina. Os "mods" eram obcecados por roupas, barbitúricos, clubes "in" e música negra.
Refletindo esta imagem, a banda lançou seus primeiros compactos, a partir de 1965: "I Can't Explain", "Anyway, Anyhow, Anywhere", "The Kids Are Alright". Eram músicas pegajosas e barulhentas. Com o single "My Generation", Townshend cunhou a frase que vai atormentá-lo até o fim de sua vida: "espero morrer antes de ficar velho".
Ao vivo, a banda era o máximo. Townshend e Moon instituíram a tradição de quebrar instrumentos, numa orgia de destruição que não poupava nada que estivesse em cima do palco. Aliás, a banda foi uma das primeiras a depender da tecnologia. Usando pedais de distorção e "feedback", o The Who era sempre mais barulhento que a gritaria da platéia.
Ao se esvaziar a cultura "mod", a banda caiu para o psicoodelismo. Só que ao invés da tediosas viagens mentais das bandas americanas, o The Who preferiu gozar o universo da arte pop, dos modismos da Carnaby Street e das rádios piratas inglesas.
"Sell Out", de dezembro de 1967, foi detestado pelos hippies. O LP era exótico o suficiente para dar uma boa exposição da banda na América, o que aconteceu através da faixa "I Can See For Miles", lançada em single.
Townshend se envolveu com espiritulismo e experimentou a escrever canções com narrativa alongada. "Tommy", de maio de 1969, foi fruto disto. A primeira e mais famosa ópera rock deu ao grupo sucesso de massa e ganhou vida própria.
Nem mesmo "Sgt. Pepper's" se transformou num mausoléu cultural como "Tommy", que deu origem a um filme, balé e peça na Broadway. A saga do garoto cego, surdo e mudo teve um revival no ano passado.
Depois de uma gloriosa aparição em Woodstock e com o peso de "Tommy" nas costas, Townshend buscou novas alternativas. "Who's Next", de 1971, é um daqueles discos "orgânicos", como "Led Zeppelin 4" e "Dark Side of The Moon" (Pink Floyd). Em "Who's Next", Townshend brinca com sintetizadores e coloca uma pedra em cima da utopia dos anos 60 e da contracultura com "Won't Get Fooled Again".
A partir dai, o Who caiu na armadilha da auto-repetição. Lançaram em 1974 "Quadrophenia", outra ópera-rock. Por mais que Townshend lutasse, a banda logo se tornou numa peça de museu.
Em 1978, o baterista Moon não resistiu aos excessos de seu estilo de vida e morreu de overdose. O grupo perseverou, convocando o medíocre Kenny Jones para tentar substituir o insubistituível Moon. Gravaram dois discos pálidos e resolveram encerrar as contas em 1982 numa megaturnê. De vez em quando eles retornam, com resultados cada vez mais melancólicos.
Perdoem a teimosia deles. Se não fosse pelo The Who, outros jovens feios, desajustados e briguentos não teriam chance no mundo da música.

Caixa: "30 Years of Maximum Rhythm'n'Blues"
Importação: Polygram
Preço: R$ 18 (em média o CD)

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