São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 1994
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Opções de mudança global

FLORESTAN FERNANDES

É preciso alterar o modo de discussão das candidaturas presidenciais. Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso já estão polarizados. Não se pode dizer quem será o vencedor e, a esta altura, o segundo turno delineia-se com alta probabilidade. Já se sabe, porém, o que cada candidato representa.
Lula emerge arrostando a radicalidade da situação histórica. Suas bandeiras não desafiam nem a ordem, nem o capital. Mas situam-se numa posição que coloca as transformações econômicas, sociais, culturais, raciais e políticas no plano das aspirações prementes dos excluídos, dos trabalhadores e de setores em processo de proletarização ou de desnivelamento das classes médias.
Muitos esperavam do PT diretrizes especificamente socialistas. Seu programa de governo possui, todavia, um teor social-democrático. O impasse brasileiro procede da falta de pré-requisitos para ir mais longe. Já existe a possibilidade de apelar para o rancor coletivo e a atividade inovadora crescente de facções de todas as categorias sociais mencionadas. Mas é um sonho acelerar os ritmos históricos sem que os de baixo alcancem maior solidariedade e efetiva socialização política.
FHC responde a elucubrações de cientistas políticos que acreditam ser fácil implantar um equivalente do cavalo de Tróia no seio das classes privilegiadas. Uma união de contrários, que fomentasse a absorção das elites e das classes dominantes por tendências de regeneração social. Os líderes populistas de duas faces tentaram isso. E acabaram tragados por tragédias, que lhes roubaram a vida ou o poder.
A estratégia, no entanto, pressupõe maior sagacidade. Em troca de segurança para os mandões, se obteriam concessões à massa dos oprimidos e encurralados. Começando a partir dos interesses mais diretos e profundos do capital nacional e estrangeiro (função do "plano econômico" em curso), passar-se-ia, gradualmente, da "mudança cosmética" a "um compromisso entre todos", de cima para baixo, na formação de uma autêntica nação emergente.
Ela enfrentaria os dilemas sociais a largo prazo e, pragmaticamente, medicando as iniquidades e promovendo a inserção do Brasil no mundo dos oligopólios tecnocráticos internacionais.
Nós, que investigamos seriamente a resistência à mudança dos conservadores, vamos nessa estratégia uma ardilosa utopia. O que poderia resultar daí, centrando-se a crítica sociológica no desvirtuamento da "revolução liberal" e de uma breve tolerância democrática?
Constatamos: duas ditaduras prolongadas e o nascimento da "Nova República", como seu fruto maduro. O regime militar impregnou-a da cabeça aos pés.
Comparando-se as duas candidaturas conclui-se que uma pretende, de fato, servir o povo e construir uma sociedade nova. A outra sucumbe aos que a monitoram e financiam. Almeja, como objetivo rutilante, atingir o poder e revigorar a circulação das elites.

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