São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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Quando é conveniente esquecer o passado

EMILIO JULIANELLI

Exceto para alguns executivos da indústria automobilística nacional, é fato histórico que a importação de veículos foi determinante para que o governo, na década de 50, através de pesados incentivos, propiciasse condições para a instalação desse segmento no Brasil.
É também inegável que o setor foi indispensável para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país em décadas passadas, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.
Na esteira da política de produção, geração de empregos e exportações a qualquer custo, porém, a indústria automobilística conseguiu sensibilizar o governo a impor restrições à importação de veículos, criando um mercado cativo dominado por um número pequeno de montadoras.
Nesse período foi esquecido o consumidor, item fundamental para a sobrevivência de qualquer atividade econômica, o qual era obrigado, por força de lei, a comprar produtos nacionais que nem sempre atendiam aos seus desejos.
Apesar da crise de demanda tão alardeada pela indústria automobilística na década de 80, era quase impossível a um mero mortal consumidor brasileiro comprar um veículo na cor, modelo e com os opcionais desejados, isto em falar no pagamento do ágio devido à procura superior à oferta.
Motivado por essa situação e também pelo nível tecnológico e qualidade dos veículos, o governo, a partir de 1990, substituiu a proibição da importação pelo protecionismo de uma alíquota de importação de 85%, com redução gradual até os 35% de hoje –dando tempo para as montadoras se adaptarem à nova realidade do mercado. Rígidas normas tributárias, de proteção ao meio ambiente e à segurança deveriam ser cumpridas pelos importadores de veículos.
Passados quatro anos da liberação da importação de veículos, percebe-se uma mudança significativa na postura das montadoras:
recordes de produção são superados constantemente;
agilidade no lançamento de novos produtos;
redução dos preços em até 40%;
investimentos de monta nas áreas de qualidade e produtividade;
as montadoras, apesar de pleitearem o fechamento do mercado, entraram decididamente na importação de veículos, sendo responsáveis por mais de 50% dos importados que chegaram aos nossos portos;
extinção do ágio nos segmentos onde há maior participação dos importados.
Infelizmente, nem todas as montadoras aqui instaladas estão reagindo de forma positiva. Algumas delas, em vez de lutar pelo mercado através de produtos competitivos e competência administrativa, tentam convencer o governo e o trabalhador que a melhor situação é manter o mercado controlado por um pequeno número de empresas.
A competição sadia só traz benefícios. Os fabricantes dos Estados Unidos são um exemplo claro disso. Depois da invasão dos veículos japoneses, a indústria norte-americana aumentou substancialmente os investimentos em novos produtos e tecnologia, resultando no recorde histórico de 12 milhões de unidades, previsto para 1994. O consumidor dos Estados Unidos dispõe agora de produtos com preço, qualidade e tecnologia competitivas em relação aos veículos importados.
De modo que evocar o passado e sonhar com a volta da reserva de mercado é um saudosismo incompatível com a internacionalização da economia, o avanço tecnológico e a troca de experiências entre empresas e países.
O espírito nostálgico revelado por algumas montadoras também nada tem a ver com os anseios do consumidor, que já conquistou o direito de poder escolher livremente entre um veículo nacional e um importado.

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