São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 1994
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Caubói gay quer montar lombo xucro

DAVID DREW ZINGG
EM BARRETOS

Barretos é a irmã gêmea de Fort Worth, Texas. Quando meu avião aterrissou na Cow City do Estado de São Paulo foi fácil imaginar que eu estava na Cow City da Gringolândia.
Há um cheiro de dinheiro aqui e também grande quantidade de touros, caubóis e "caugirls".
A diferença entre as "caugirls" de Barretos e suas irmãs texanas é que as senhoritas barretenses parecem conseguir lidar com seus homens sem usarem corda e laço. Já as garotas do Texas dão a impressão de estarem prontas para aplicar uma corda a tudo que se mexa –incluindo seus homens.
Se a cidade de Barretos fosse um navio em alto mar, ela afundaria sem deixar vestígios quando começasse a Festa do Peão Boiadeiro. Esta minúscula e tranquila cidadezinha tem uma população normal de aproximadamente 100 mil pessoas. Quando a Festa começa, ela explode. No ano passado, recebeu 600 mil visitantes, e este ano (com a ajuda do real), 800 mil pessoas compareceram à Festa do Peão Boiadeiro.

Esta época do ano é dura para os plantadores de laranja e cana desta região. Um vento seco sopra no ar, e nenhum sinal de chuva desponta no horizonte.
Mas quando a festa começa, a falta de chuva é compensada por um excesso de outros líquidos –principalmente chope e uísque escocês. "O problema do pessoal que vem assistir os rodeios de Barretos", me disse um policial, "não é apenas que eles bebem em excesso –eles bebem por qualquer motivo que aparecer".
A pergunta que fiz ao policial foi: se o álcool faz mal à saúde, por que há mais caubóis bêbados velhos do que médicos velhos?

Como você já sabe, Joãozinho, a Festa do Peão Boiadeiro é organizada por um clube masculino de Barretos chamado Clube dos Independentes. Só se pode ser membro do clube enquanto se é solteiro. O "independentes" significa independentes em relação às mulheres.
É evidente que este evento é extremamente complexo de se organizar. Ele envolve milhares de pessoas –peões, artistas, empresários e técnicos, todos dirigidos pelos membros solteirões do clube, com um resultado de alto nível que faria a Disney World ficar verde de inveja profissional.
O Velho Peão Dave descobriu qual é o segredo simples desse sucesso. O atual presidente do Clube dos Independentes é um bonitão chamado Mauri Abud Whonrath. Sua tarefa principal consiste em comparecer ao máximo possível de festas e fazer-se fotografar com mulheres jovens e atraentes. Enquanto Mauri se desincumbe destes árduos deveres, o trabalho de fato é feito por ex-presidentes sérios e eficientes, que se abstêm de beber.
No ano que vem o presidente deste ano, Mauri, passará a ser ex-presidente. Será sua vez de enfrentar o trabalho de verdade. Se o Brasil utilizasse o mesmo sistema com seus presidentes, os resultados talvez fossem interessantes.

Um peão me jurou que a melhor cura para pé-de-atleta é pisar em estrume de vaca.

Os rodeios vêm sob muitas e diversas formas, estranhas e maravilhosas. A Gringolândia pode não haver inventado esta complexa forma de arte, mas todos os anos ela promove shows de caubóis que são resultado da pressão norte-americana por liberdade social e política para todos.
Entre as mais recentes variações sobre o tema básico do caubói-tenta-manter-se-em-cima-do-animal-em-movimento-violento figuram o Gay Rodeo Circuit e o Black Rodeo Circuit.
A International Gay Rodeo Association (Associação Internacional de Rodeios Gays) preside 15 competições realizadas do Texas até o Canadá, passando pela capital nacional, Washington D.C. Assisti a esta última um par de anos atrás, e o espetáculo valeu cada centavo que gastei.
Não foi aquela coisa corriqueira de caubóis. Batizada de "The Gay Stampede" (Estouro de Boiada Gay), foi o primeiro rodeio gay realizado a leste do Texas.
Era um evento nobre. Um caubói gay me disse: "Estamos rompendo com os estereótipos com que a sociedade nos rotula. Sabe como é, a gente não é apenas um bando de cabeleireiros".
Na sociedade moderna, sempre há os que protestam. Compareceram ao rodeio militantes dos direitos animais, vindos de organizações como as "Eco-Sapatonas" e o "Grupo Gay e Lésbico de Defesa dos Direitos dos Animais". Esse pessoal ficava repetindo slogans do tipo "Bichas Não Deixam Bichas Judiarem de Bichos" e "Não Seja uma Bicha Besta".
Dentro da área reservada ao rodeio, a Miss International Gay Rodeo oferecia calorosas boas-vindas à platéia. Usando um longo branco e sapatos de salto, ela tinha uns dois metros e quatro centímetros de altura e uma voz tão grossa quanto um basso profundo operático. Ela não era feia –só precisava fazer a barba.
Atrás da Miss International Gay Rodeo havia uma área reservada aos camelôs. Entre os artigos mais vendidos figuravam as camisetas, que invariavelmente apresentavam alguma referência sexual –"Ele Não É Meu Namorado, É Minha Montaria!" ou "Parem Aquele Homem... Quero Gozar", ou então "Se Você me Laçar, Pode me Estuprar".
Outras camisetas comercializavam aquele fenômeno moderno que as pessoas adoram identificar com o pejorativo. Algumas camisetas brancas proclamavam "Caubicha", "Causapata" e, a melhor, na minha opinião: "Queers on Steers" (Bichas Sobre Bois).
A maioria das atividades era tirada das programações dos rodeios ortodoxos. Na arena, os concorrentes participavam de todas as provas normalmente presentes nos rodeios: montar cavalos xucros, laçar novilhos e derrubar bois para fazer a marcação a ferro.
Mas alguns eventos tinham um sabor gay todo especial. Na "Corrida de Drag Queens", um gay e uma lésbica tentavam dominar um novilho e segurá-lo quieto até um gay vestindo roupas de mulher conseguir montá-lo e atravessar a linha de chegada montado nele.
Na prova do "Vestir a Cabra" dois gays tentavam agarrar uma cabra e vestir um calção nas pernas traseiras do animal, que protestava.
Uma das Eco-Sapatonas, que se opunha ao rodeio por considerá-lo "sexista e cruel", me perguntou: "Como você se sentiria se fosse amarrado na frente de uma multidão enlouquecida e perseguido por dois homens tentando prender tuas pernas com uma cueca?"
Tive que admitir que a simples idéia de sofrer tal indignidade pessoal exigia demais de minha limitada capacidade cerebral.
Um futuro presidente do Clube dos Independentes poderia, quem sabe, pensar seriamente em entrar em contato com o International Gay Rodeo Association.
Tradução de Clara Allain

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